|Crítica| 'Luiz Melodia - No Coração do Brasil' (2025) - Dir. Alessandra Dorgan
Crítica por Victor Russo.
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'Luiz Melodia - No Coração do Brasil' / Embaúba Filmes
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Alessandra Dorgan abre mão dos explicadores típicos de documentários biográficos e deixa Luiz Melodia conduzir esse monólogo de mesa de bar
A estreia de Luiz Melodia - No Coração do Brasil ter sido no festival de documentários É Tudo Verdade representa bastante desse recorte do cinema documental nacional de buscar figuras marcantes e seguir suas trajetórias, passando por toda uma carreira e trazendo alguns questionamentos sobre o que foi e, sobretudo, muito do que não pôde ser. Se olharmos para a competição deste ano, veremos uma porção de filmes com tal perspectiva (sobre Fernanda Young, o melhor deles, Lampião, Antônio Cândido e até retratando o austríaco do século XIX que residiu no Brasil e levou muitos dos nossos tesouros Johann Natterer) dominar o Festival, como se essa fosse a representação do documentário brasileiro, o que seria uma visão reducionista, mas que, sim, é uma vertente bem significativa e numerosa da nossa produção, principalmente aqueles com objetivo de trafegar por uma vida inteira. Nesse sentido, podemos colocar o longa de Alessandra Dorgan em perspectiva com duas obras recentes de destaque em festivais brasileiros, como a Mostra de São Paulo, que também representavam grandes nomes da arte e cultura brasileira, mas o faziam por caminhos opostos: o ótimo Othelo, O Grande e o fraco Elis e Tom.
Se ambos tentam estabelecer um período histórico e contar boa parte da vida dessas personalidades para ressaltar o quão geniais foram, o primeiro consegue fazer com uma narrativa harmoniosa, sem interrupções, que nos dá a impressão de que é o falecido Grande Otelo que conduz sua própria história, de tão bem que a montagem consegue amarrar seus relatos históricos com imagens de arquivo. Já Elis e Tom segue o caminho mais quadrado desse tipo de produção e o que geralmente não desagrada pessoas próximas dos cinebiografados, já que inclui todas elas em uma série de relatos de exaltação, criando um recorte a partir da visão não da figura de interesse, mas de como os que a conheceram ou a estudaram a enxergam. São os documentários talking heads cheio de comentadores que pouco agregam aos artistas. Dorgan tenta seguir o primeiro caminho, fazendo Luiz Melodia, às vezes em entrevistas, mas, majoritariamente, em uma narração em off, contar a sua história, como surgiu, de onde veio, com quem se relacionou profissionalmente, o sucesso que teve e como foi rejeitado e boicotado por produtores. É uma tentativa de condução semelhante à da obra sobre o Grande Otelo.
Entretanto, o trabalho de montagem para criar esse dinamismo de múltiplos recortes, de viajar a partir da cabeça daquele que já se foi e está sendo homenageado, não encontra um olhar tão apurado quanto o de Lucas H. Rossi dos Santos. Ainda que faça bem à obra de Dorgan rejeitar esses explicadores de plantão, a proposta de seguir um monólogo como mesa de bar conduzido pelo próprio Melodia perde força a partir do momento que se prende a uma certa linearidade narrativa e obviedade e grande repetição na escolha das imagens. É como se rejeitasse o padrão, mas não conseguisse fugir muito dele, sempre deixando claro que há uma seleção por trás daquelas imagens, que não partem do artista, mas de alguém que, no fim, simplesmente tem esse objetivo de relato de trajetória. Os meios fogem um pouco do óbvio, mas o resultado final é bastante semelhante ao que convencionou-se como um tipo de filme não tão cinematográfico e muito mais de contar uma história que poderia facilmente ser encontrada em uma página de Wikipedia. Quando a criatividade da narrativa audiovisual se esgota, tudo soa um tanto impessoal para uma obra que parecia nos convidar para sentar junto de Melodia e escutar suas histórias e reflexões tomando uma cervejinha.