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|Crítica| 'John Wick 4: Baba Yaga' (2023) - Dir. Chad Stahelski

|Crítica| 'John Wick 4: Baba Yaga' (2023) - Dir. Chad Stahelski

Crítica por Victor Russo.

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'John Wick 4: Baba Yaga' / Paris Filmes

 

Título Original: John Wick: Chapter 4 (EUA)
Ano: 2023
Diretor: Chad Stahelski
Elenco : Keanu Reeves, Donnie Yen, Ian McShane, Bill Skarsgard, Laurence Fishburne, Hiroyuki Sanada e Rina Sawayama.
Duração: 169 min.
Nota: 4,5/5,0

 

Chad Stahelski substitui o balé pela música eletrônica, enquanto expande a mitologia ainda mais em direção à fantasia e ao sobrenatural

Desde a divulgação da duração do filme, 2h49 (umas 2h35 sem os créditos), o mais longo da franquia, houve um certo questionamento generalizado. Como poderia uma franquia focada na ação e com roteiros teoricamente simples e diretos ter um filme com tempo de um épico? Porém tal questionamento só faz sentido previamente. Stahelski se usa de tal duração não só para se divertir com próprio universo, pelo qual ele parece totalmente fascinado e apaixonado, fazendo do longa um épico de ação que se desafia a cada sequência nova de pancadaria e tiroteio, mas, principalmente, para expandir tal mitologia rumo à fantasia indiscriminada.

É bem verdade que tal aspecto de lenda sempre existiu, John Wick sempre foi chamado de Baba Yaga e teve seus feitos (reais ou exagerados pelo boca a boca) contados com respeito, admiração e medo pelos que entram em seu caminho. Ao mesmo tempo, por mais que sangre, manque, sinta cansaço e até desmaie, o protagonista sempre realizou diante de nossos olhos feitos sobre-humanos, desde o enfrentamento aos mais variados tipos de obstáculos até a sobrevivências impossíveis. Entretanto, até então, tal fantasia ia mais no sentido de encenar tais cenas de ação como dança, um balé que encontra beleza na violência de um submundo cheio de regras que existe sob a vista dos olhos da sociedade. Em "Baba Yaga", a fantasia toma um controle absoluto desse mundo, John Wick vira uma espécie de fantasma, uma entidade indestrutível que sente cada vez menos todo ferimento, e a suavidade do balé dá lugar a agitação da música eletrônica. O quarto filme é uma espécie de rave fantástica hipnotizante.

Claro que tal mudança até tem uma aplicação lógica no universo do filme. Com um preço cada vez maior por sua cabeça, Wick não tem tempo de descansar, há sempre pessoas tentando liquidá-lo. Ainda mais com um amigo que o conhece bem e um rastreador seguindo-o. O filme até brinca com tal lógica de forma interessante na sequência de Paris, quando uma voz sem rosto (apenas uma boca), mais um elemento de expansão da mitologia que demonstra como o seu diretor se diverte com a própria criação, narra para todos os assassinos a localização e cada passo dado pelo protagonista. Mas a lógica em si é o que menos importa aqui. As batidas eletrônicas, as luzes neon e o ritmo frenético existem no longa muito mais para a encenação do que para a existência de um sentido. 

Stahelski poderia muito bem cair na própria armadilha, transformar o “mais e maior” em apenas uma repetição de sequências de ação já vistas na franquia em uma dose mais duradoura. E, em certo sentido, há até elementos semelhantes ao terceiro longa, como a sequência com vidros em Osaka, a da rave ou mesmo um personagem que usa um pastor alemão como apoio. Todavia, o cineasta tem total noção de sua criação, utiliza-se de tais elementos conhecidos para ressignificá-los ou se divertir por meio deles (o personagem de Yen matando com um lápis é a maior amostra disso). É justamente ao olhar para a própria franquia e para o cinema de gênero que Stahelski encontra o maior desafio em “John Wick 4”. Cada sequência parece adentrar mais o fantástico por um lado, mas, por outro, torna mais difícil para o próprio filme criar uma sequência seguinte mais impactante do que a anterior. Porém, ele consegue.

Isso porque a mitologia de John Wick não se cria apenas nas regras do universo, que são cada vez mais. O interesse maior de Stahelski está na encenação. É como esses personagens lutam, cada um ao seu estilo. Como ele consegue criar coesão em sequências que une katana, arco e flecha, artes marciais, ternos e trajes à prova de bala, um personagem cego, um vilão de video game com dentes de ouro, vários capangas fortões à la NPC, um cachorro, muitos carros, armas que explodem os atingidos e por aí vai. É um mundo que só se torna possível sob a ótica de Stahelski, que faz da coreografia sua principal arma, do carnaval de tiros e lutas seu ritmo e do exibicionismo de seus atores sua diversão. Cada vez mais John Wick carrega a mística de Keanu Reeves, quase se fundindo em uma só persona, ainda que o rumo do personagem seja cada vez mais em direção ao sobrenatural. Algo semelhante ocorre com Hiroyuki Sanada e principalmente Yen, que é uma mistura de Ip Man com Chirrut (seu personagem de “Rogue One”). 

Ao mesmo tempo, Stahelski ressignifica até mesmo suas homenagens. Fascinado e criado com os filmes de luta orientais (incrivelmente melhores coreografados do que os americanos), o diretor aproveita a expansão cada vez mais mundial do seu universo para fazer uma pausa no Japão. Aqui, há um flerte com os filmes de samurai (a luta entre os personagens de Sanada e Yen é maior prova disso), assim como uma exploração massiva das armas e espaços do cinema japonês (não só do samurai, mas dos filmes de máfia/Yakuza também). Algo semelhante ocorre com o faroeste e o duelo decisivo explicita isso. Mas nada disso se resume a mera homenagem. A grande sacada é trazer o cinema japonês, chinês (Yen é a grande representação nesse sentido), o faroeste tipicamente americano e as arquiteturas e obras de arte de filmes de época franceses, mas ressignificá-los para o mundo da franquia. A referência deixa de ser apenas referência, ganha regras próprias, encenação nova e é confrontada pela mitologia já estabelecida e em expansão da franquia. 

No final, o carnaval encontra coesão surpreendente e a frenesi do filme que se desafia a cada nova sequência ganha alma aos olhos da câmera de Stahelski, que nunca deixa a eletricidade da sua música e de seu ritmo tirar a beleza das suas danç… quer dizer, lutas. Resta aos amantes do cinema de ação se deliciar a cada nova sequência de uma forma jamais vista em Hollywood, equiparando-se aos melhores filmes de ação do cinema oriental.

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