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|Crítica| 'Instinto Materno' (2024) - Dir. Benoît Delhomme

|Crítica| 'Instinto Materno' (2024) - Dir. Benoît Delhomme

Crítica por Victor Russo.

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'Instinto Materno' / Imagem Filmes

 

Título Original: Mothers' Instinct (EUA)
Ano: 2024
Diretor: Benoît Delhomme
Elenco : Anne Hathaway, Jessica Chastain, Anders Danielsen Lie, Josh Charles e Caroline Lagerfelt.
Duração: 94 min.
Nota: 2,5/5,0

 

Benoît Delhomme tarda tempo demais para entender qual é o seu verdadeiro filme, fazendo desse thriller de locadora algo tardio e por muito rejeitado pela própria narrativa

"Instinto Materno” é um filme que soa estranho pelas escolhas narrativas que não se conversam. É um filme em que o passado e o presente estão em conflito o tempo inteiro, e isso pouco tem a ver com o momento histórico em que a obra está ambientada e muito se relaciona com a forma que Delhomme lida com o thriller. Se o chamado filme de gênero, nesse caso um suspense/thriller, por muito tempo foi tratado de forma bastante direta, sem vergonha ou pretensão de ser humanamente complexo ou profundo, tendo na sensação pelo mistério e pela antecipação sua força dramática, sendo a época das locadoras (anos 2000, sobretudo) um momento chave para esse tipo de produção não tão caro que já era muito popular nas décadas anteriores (e ganhou contornos eróticos nos anos 1990), o que vemos atualmente é uma rejeição massiva a esse olhar mais frontal, com obras cada vez mais recorrendo ao drama e o sobrepondo aos elementos típicos de gênero, criando assim um escudo, muito reverenciado nas redes sociais, de que essal recusa ao gênero em sua forma mais pura é uma “elevação” daquele gênero a outro patamar. Surge-se assim termos e falas infames como “Cavaleiro das Trevas é mais do que apenas um filme de super-herói”, “Pós-terror” ou “Eu não gosto de filme de terror, mas gosto de terror psicológico”. Tal suposta complexidade desses filmes fortalece o ego de um público cada vez mais preocupado em se sentir inteligente e menosprezar aqueles, supostamente inferiores, que gostam de um cinema “que não precisa pensar”. Esse cenário se apropriou do trauma, principalmente feminino, como um catalisador para essa profundidade psicológica, e fez, majoritariamente no thriller e no terror, com que os gêneros perdessem seus elementos essenciais (tensão, susto, sangue, escatologia, sedução etc) para se revestirem com uma falsa ideia de serem mais pensantes.

É justamente esse conflito entre o thriller mais puro, mais entregue até aos exageros e faltas de lógicas, aqueles filmes com cara de locadora ou super cine, e a busca por uma elevação da arte por meio de uma condução psicológica e visualmente vistosa, que permeia toda a rodagem de “Instinto Materno”. É como se esse lado mais canastrão quisesse desabrochar a todo instante, mas se o fizesse cedo demais não estaria de acordo com essa percepção contemporânea. Delhomme tenta então escondê-lo às sete chaves, por mais que ele dê sinal aqui e ali. “Instinto Materno” até olha para o suspense e melodrama de Alfred Hitchcock e Douglas Sirk, até mesmo pelo período em que se passa e essa estética mais evidente, mas nega muito mais essas referências do que mergulha nelas. Nega-as em prol da contemporaneidade anti-gênero, jogando o trauma para primeiro plano, como uma seriedade completamente descabida em relação ao que o filme realmente é e se apresenta posteriormente. A dúvida típica do thriller se faz presente, mas é soterrada pelos questionamentos sobre os estados mentais femininos até quase desaparecer.

Muito disso é resultado da própria carreira de Delhomme, um diretor de fotografia que estreia na direção e, ainda assim, ele mesmo faz a própria direção de fotografia. A essa busca pelo requinte visual, pelo uso das lentes, do tamanho dos planos e da baixa profundidade de campo para sugerir uma imagem que entenda o processo mental da protagonista (Jessica Chastain) e, em alguns momentos, da sua vizinha e possível vilã (Anne Hathaway). Só que, ao mesmo tempo que filma de perto, o cineasta se mantém em um lugar seguro, meio afastado, sentido nessa austeridade dos planos, que tem na beleza visual uma falta de sentimento. Então, até quando mais preocupado com o drama e as questões psicológicas, Delhomme tem medo de mergulhar em algo mais potente, no melodrama de fato. É esse afastamento de uma suposta arte cinematográfica atual em que o visto como superior é o distanciamento sem emoção, em que o valor é jogado para as metáforas e sugestões, e nunca para uma proximidade de fato.

Ao transformar tal abordagem em sua condução narrativa, Delhomme perde o filme que pretende fazer, pelo menos em alguma instância, o tornando apenas uma reviravolta ao final, frente a um mar de distanciamento. Quando “Instinto Materno” se joga nessa deliciosa canastrice que falta ao cinema contemporâneo, já é tarde demais, soa deslocado de tudo que tínhamos visto e o estranhamento toma conta dos mais desavisados. O otimismo pelo verdadeiro thriller é a única possibilidade de salvar o filme para os que ainda desejam e lutam por um cinema mais direto. A recompensa é pouca, mas pelo menos é alguma coisa.

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