Português (Brasil)

|Crítica| 'Herói de Sangue' (2023) - Dir. Mathieu Vadepied

|Crítica| 'Herói de Sangue' (2023) - Dir. Mathieu Vadepied

Crítica por Raissa Ferreira.

Compartilhe este conteúdo:

 

'Herói de Sangue' / Synapse Distribution

 

Título Original: Tirailleurs (França)
Ano: 2023
Diretor:  Mathieu Vadepied
Elenco : Omar Sy, Alassane Diong, Jonas Bloquet, Bamar Kane e Clément Sambou.
Duração: 109 min.
Nota: 3,0/5,0

 

Ao reclamar uma parte apagada da história, o filme de Mathieu Vadepied coloca em foco quem raramente esteve, mas se prende a morais e convenções de um cinema que sempre deteve o olhar da guerra

Já estamos acostumados a ver a primeira guerra mundial retratada no cinema. Seja num plano sequência percorrendo as trincheiras ou nas manipulações que enganaram jovens a participarem de uma luta que não era deles, o ponto de vista nunca muda muito. É comumente retratada como uma guerra que destruiu toda uma geração, levando jovens despreparados para lutar como peças de um tabuleiro, facilmente substituíveis, mortos aos montes ou totalmente devastados psicologicamente, os poucos que sobreviveram. Talvez um sentimento geral que se possa sentir nesses meninos tipicamente colocados em foco nesses filmes é de solidão, de estarem totalmente abandonados no desconhecido, sem compreender porque lutam, nem por quem. Nesse ponto, Vadepied muda o foco e se concentra numa parcela de soldados que raramente é lembrada, os africanos de diversas nacionalidades, mas principalmente por meio dos senegaleses Bakary Diallo (Omar Sy) e seu filho Thierno (Alassane Diong). Ao mudar o olhar, os europeus são retratados de forma mais simplista e superficial, deixando para se aprofundar em pai e filho e as relações que os cercam, além de destacar os idiomas de cada um mais do que o francês. A sensação de solidão quase não existe, já que há um drama muito forte entre os dois em que mesmo que estejam separados, a presença do outro é sentida. Ainda assim, como um filme de guerra, soa bem parecido com muito do que já foi feito, sem parecer trazer algo a mais além dessa mudança de foco na história e com uma mensagem um tanto confusa para lidar com a tragédia que carrega.

Ao construir essa jornada de busca para retorno à origem de Bakary com o filho, o longa lida mais com os dramas familiares do que com a própria guerra. O jovem Thierno se assemelha aos jovens europeus que o cinema tanto lamentou, pela ilusão que acaba caindo ao engajar com a batalha, porém, “Herói de Sangue” não pretende o tornar uma vítima, como o próprio título brasileiro já entrega. Os protagonistas são muito mais fortes e motivados, apesar de essa não ser uma guerra deles, que não tem nenhuma ligação com seu país, há uma força constante neles de se movimentar para algo. No caso do pai, tirar os dois dessa situação o mais rápido possível e pelo lado do filho, de construir seu lugar no exército, numa ideia de ascensão e aceitação. Thierno é visto como superior por falar francês e o gradual respeito que conquista dos brancos europeus acaba servindo de motivador para querer lutar suas batalhas, ainda que isso coloque sua vida em risco. Mesmo no ponto mais devastador do filme, o sentimento de tristeza e solidão se mostra como passageiro, dando lugar para um orgulho e heroísmo. 

Ainda que seja possível ver pontos muito positivos em retratar os soldados senegaleses com essa grandiosidade, existe algo muito tradicional e amplamente usado em hollywood nessa narrativa de transformar personagens que na verdade foram vítimas de algo muito maior em heróis, esquecendo boa parte do sofrimento que foram obrigados a sentir, geralmente em vão. A ideia se torna frágil nesses pontos principalmente por termos acompanhado a luta de Bakary em tirar o filho daquele lugar que foi levado à força. Todo o começo dessa jornada se assemelha muito a uma história de escravidão, na verdade, já que o jovem é capturado pelos franceses e aos poucos é colocado em lugar de destaque por suas habilidades e conhecimentos, usado pelos brancos europeus para se colocar quase contra os soldados negros africanos, como superior deles na hierarquia da guerra. É assim que fica um tanto confusa e complicada de engolir essa glorificação do soldado desconhecido, que o filme indica como Bakary, e do heroísmo dado a Thierno quando retorna para sua família, em casa. O sentimento desesperador do pai, que o leva a fazer qualquer coisa necessária para tirar o filho das trincheiras, se torna um discurso romantizado ao fim, que acaba por amenizar alguns pontos que a própria narrativa levanta.

A presença de Bakary permanece do começo ao último segundo, reforçando o drama entre pai e filho a todo momento, deixando claro que Thierno nunca está sozinho. E, se muitas vezes no cinema parecia que soldados europeus não sabiam porque lutavam, “Herói de Sangue” evidencia as motivações de ambos, mesmo numa guerra que nunca pretendiam estar. Não importa para o longa quem venceu ou quem estava do outro lado das trincheiras, mas sim essa jornada heróica dos dois, um em busca de se sentir aceito e ser visto com essa grandeza e outro apenas querendo salvar sua família. Mas é mais fácil sentir uma revolta contra tudo isso, do que orgulho por essas histórias ignoradas.

Compartilhe este conteúdo: