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|Crítica| 'Guerra Civil' (2024) - Dir. Alex Garland

|Crítica| 'Guerra Civil' (2024) - Dir. Alex Garland

Crítica por Victor Russo.

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'Guerra Civil' / Diamond Films

 

Título Original: Civil War (EUA)
Ano: 2024
Diretor: Alex Garland
Elenco : Kirsten Dunst, Wagner Moura, Cailee Spaeny, Nick Offerman, Stephen McKinley e Jesse Plemons.
Duração: 109 min.
Nota: 4,0/5,0

 

Sem abrir mão do thriller mais direto e diminuindo a necessidade de “dizer algo”, Alex Garland não olha necessariamente para o fato em si, mas para como os eventos são captados, moldados e selecionados pela câmera fotográfica, quase sempre apontada como uma arma

Depois de iniciar sua carreira na direção com duas obras de ficção científica (Ex Machina e Aniquilação) que mergulhavam de cabeça no gênero, Garland parece ter sido tocado pela tendência dominante da A24 e se rendeu a um cinema que nega os sentimentos para se colocar em uma posição distanciada do filme que quer dizer algo, significar algo, ser interpretado de tal forma etc. Men não só trazia consigo um discurso, reforçado pelas imagens, bem contraditório, mas fazia de seus simbolismos vazios a obra em si. É um daqueles filmes incapazes de fazer o espectador sentir algo (além de raiva, provavelmente). Guerra Civil surge então como um retorno do cineasta para o cinema interessado nas sensações que os gêneros são capazes de gerar, unindo aqui o futuro distópico (subgênero da ficção científica), o road movie e o thriller, criando uma combinação que funciona justamente pelo desconhecimento que o público tem para com os meandros daquela realidade. Claro que se pode pensar em relações e comentários sobre a história dos Estados Unidos (sobretudo a Guerra de Secessão), a ética jornalística, o momento frágil da democracia americana, dominada por um discurso de ódio e incentivo da violência, entre outras coisas. Mas, na prática, nada disso parece ser o real interesse do filme, ainda que estejam lá para debate. Nem sequer entendemos realmente os lados dessa guerra, apesar de sequências, como a mais tensa do filme (e inspirada em Vá e Veja) envolvendo o personagem de Jesse Plemons ou a da cidade de interior demonstrando isenção, sugerirem muitas coisas. Mas, no fundo, como os homens camuflados tentando matar o sniper escondido na casa, pouco sabemos além de pessoas atirando umas contra as outras, sem uma visão ideológica clara, o que devia existir há muito tempo, quando essa guerra se iniciou, e foi se perdendo no processo e no longo conflito.

Assim, mais do que um filme sobre o fotojornalismo de guerra em si, Garland olha para o dispositivo fotográfico (e cinematográfico), a capacidade da câmera de gerar imagens. Ou seja, não exatamente de captar a realidade, mas de moldar esse fato, de selecionar o que e como será mostrado, e, se aproximando da noção de montagem, escolher o que permanecerá e o que será excluído. Então, quando Lee (Kirsten Dunst) e Jessie (Cailee Spaeny) falam se uma fotografaria a outra morta, é menos no sentido de pensar a ética do jornalismo de guerra e muitos mais em direção ao se debater a imagem, quando e se ela deve ou não ser captada e mostrada. Não à toa, o longa muda de curso e volta o seu thriller, que antes era sobre entrevistar o presidente, para uma corrida contra o tempo a fim de tirar uma única foto. Não há mais relevância no acontecimento em si, aquela imagem captada se transforma na verdade, a ideia de que algo só aconteceu se for fotografado, ignorando no imaginário popular o poder criativo que a fotografia pode ter, o que presenciamos com Jessie tirando diversas fotos do acontecimento, permitindo a ela selecionar o que achar mais apropriada aos seus interesses. Como diria Lee anteriormente, se de trinta, uma estiver boa, é o que importa. Garland coloca a jovem fotojornalista em um posição de diretora (e montadora), modelando o fato aos interesses da personagem.

Porém, mais do que comentar sobre o tema com eventos e diálogos, Garland molda sua mise en scene a partir e para o ato de fotografar. Primeiro, de forma mais clara, com as fotojornalistas apontando sua câmera como uma arma (muitas vezes, ao lado de soldados com fuzis em mão) ou direcionando-a para nós (em uma referência que traz a mesma sugestão de Persona), criando uma dupla camada da representação, uma que pertence ao olhar de Garland, que seleciona como nos mostrar aquele mundo, outra referente às lentes de Lee e Jessie dentro da diegese, como elas escolhem recortes específicos daquela realidade para ser exibida naquele universo. O segundo é então como Garland constrói a sua mise en scene a partir da visão dessas câmeras, não rejeitando o cinema de gênero, tendo sobretudo a antecipação e a tensão do thriller muito presentes, como se a cada esquina tivesse um novo perigo, nesse sentido, utilizando assim do road movie distópico como uma jornada por fases de video game, ao estilo The Last of Us. Só que, quase sempre, esse filme de gênero que nos coloca na ponta da cadeira será emoldurado não pelas imagens de Garland, mas pelas fotografias de Lee e Jessie, como filmes dentro do filme, recortes da realidade dentro de um recorte de realidade. Claro que se adquire um caráter simbólico nesse olhar, já que, no final, será sempre Garland quem está no controle. Mas pensar nisso diminui a experiência e o potencial de Guerra Civil.

Retornamos então, para fechar essa questão, à cena envolvendo Plemons (vê-lo como um extremista perigoso automaticamente nos faz lembrar do seu personagem neonazista em Breaking Bad, mas isso nunca é um problema). Esse momento específico talvez seja até mais emblemático sobre essa realidade moldada pela câmera do que a busca pela foto final do presidente. Isso porque é o único instante significativo na obra em que as suas personagens estão sem suas câmeras. Ou seja, é o momento em que estão vulneráveis, sem suas armas de se defender por mostrar a realidade como desejam. Somos levados então a temer pela vida das duas e de todo o seu grupo (que envolve aqui uma boa atuação de Wagner Moura, em papel de destaque) justamente por ser o momento em que a mise en scene vira só o olhar de Garland, aparentando, pela primeira vez, um filme “convencional”, sem a mediação fotográfica das personagens. Elas estão de mãos atadas sem suas câmeras e Garland se delicia com o desespero que isso provoca.

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