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|Crítica| 'Guardiões da Galáxia Vol.3' (2023) - Dir. James Gunn

|Crítica| 'Guardiões da Galáxia Vol.3' (2023) - Dir. James Gunn

Crítica por Victor Russo.

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'Guardiões da Galáxia Vol.3' / Wat Disney Studios Brasil

 

Título Original: Guardians of the Galaxy Vol.3 (EUA)
Ano: 2023
Diretor: James Gunn
Elenco :Chris Pratt, Zoe Saldaña, Bradley Cooper, Dave Bautista, Karen Gillan, Pom Klementieff, Vin Diesel, Sean Gunn, Will Poultier e Chukwudi Iwuji.
Duração: 150 min.
Nota: 3,5/5,0
 

“Guardiões da Galáxia Vol. 3” é o melhor filme do MCU desde “Vingadores: Ultimato”, já que James Gunn segue sendo o diretor que melhor lida com a fórmula sem perder totalmente sua personalidade, até mesmo nos excessos (que são muitos)

O Universo Marvel é a maior representação de uma lógica de estúdio que parece próxima de ruir após dominar o mercado por tanto tempo. Por quase 15 anos, o MCU liderou as bilheterias mundiais, dominou as salas de cinema e estabeleceu uma fórmula narrativa que passou a ser seguida não só pela DC e outros filmes de super-herói, mas pelos blockbusters hollywoodianos como um todo. As piadinhas que interrompem momentos tensos ou dramáticos, as cenas pós-créditos que se ligam a uma obra seguinte, em uma espécie de universo que nem pensa em um final, a sugestão do descompromisso que contrasta com a busca de um CGI realista e sem vida e explicações “científicas” para o que antes era aceito como fantasia, os crossovers e por aí vai. 

Talvez a Marvel não tenha criado nada disso, em parte há muito aqui da Hollywood clássica escapista e do blockbuster moderno dos anos 1980, misturado à obsessão pelo realismo que ganhou força com a trilogia do Batman de Christopher Nolan. Mas foi o MCU quem fez desses elementos uma fórmula rentável, excluindo o papel do diretor e dando na mão do produtor todo o controle criativo, transformando esses filmes em produtos quase unificados. Só que como toda demanda que Hollywood (ou o capitalismo) cria e faz o público acreditar que ele mesmo ansiava por aquilo, chega um momento que a repetição à exaustão de um mesmo produto começa a desgastá-lo e esses mesmos espectadores passam a rejeitá-lo.

Em certa medida, foi justamente isso que aconteceu com a Marvel, que rejeitou o fechamento preciso do universo em “Vingadores: Ultimato” para continuar lucrando ainda mais com vários filmes e séries por ano. E, por mais que boa parte dos longas antes do quarto filme da equipe fossem bem ruins e nem todos da fase 4 são um desastre, a falta de unidade desse universo como um todo foi a fagulha que restava para o público ir perdendo o interesse pelo MCU. Eis que chega “Guardiões da Galáxia Vol. 3” para dar início à fase 5, mas à moda antiga.

O filme chega então para interromper essa obsessão pela sequência do universo, o que quase sempre enfraquecia esses longas sugerindo que o importante aconteceria na obra seguinte. Como os dois primeiros, também dirigidos por James Gunn, o foco é muito mais em um problema que o grupo precisa resolver e só diz respeito a esses personagens (e não ao universo como um todo). Tudo bem, os vilões maléficos podem prejudicar outras pessoas pela galáxia com seus planos mirabolantes, mas não há nem sequer citação aos outros personagens do MCU. O foco é resolver a premissa em um filme e só. Até as cenas pós-créditos reforçam isso, já que elas dizem respeito apenas aos próprios Guardiões da Galáxia. De todas as franquias do MCU, esta é a única com filmes independentes do restante do universo. Por mais que os personagens até apareçam nos Vingadores ou no último Thor, isso pouco afeta a trilogia mais coesa da Marvel. É quase como um microcosmo independente em meio a um gigantesco multiverso.

Porém, se ficou a impressão até aqui de que estou me referindo apenas à história e aos personagens, a verdade é que esse senso de personalidade própria vai muito além. Com os três longas dirigidos por Gunn, “Guardiões” são esteticamente muito mais autônomos do que o restante do MCU também. É bem verdade que o humor de Gunn e o seu viés para o melodrama de personagens desajustados tudo tem a ver com o universo de Feige. Mas é justamente aí que o cineasta mais se destaca. Gunn é de longe o diretor que mais consegue lidar com a fórmula sem perder a sua visão. Até quando ele faz concessões, como no constante uso das piadinhas, é à sua maneira. Em parte, ele se beneficia por ter em mãos um grupo teoricamente secundário do universo, todavia, tantos outros tiveram oportunidades semelhantes e preferiram se render ao lado mais genérico da Marvel. É como se o cineasta tivesse alinhado com os seus personagens, abraçasse a breguice deles sem nunca diminuí-los. Isso fica claro, por exemplo, em Adam Warlock, que surge aqui simplesmente como um cara pintado de dourado, sem o refinamento da maquiagem da Gamora ou da Nebula. E tudo bem.

Gunn não chega a transgredir o MCU, mas parece usar a fórmula a seu favor. E é assim que em meio a uma genuína inocência ele consegue lidar com tantos gêneros misturados sem nunca parecer estar fazendo vários filmes em um. As piadas soam necessárias, sem diminuir a urgência da missão ou ridicularizar os personagens além do que eles são. O melodrama é tão ridículo quanto é verdadeiro. A ação rejeita como pode o CGI acinzentado que quer soar realista, criando momentos interessantes como a câmara lenta sem cortes que une o grupo lutando contra vários adversários em um espaço reduzido. Até os flashbacks que usam de um artifício ridículo e ultrapassado, uma forma de reforçar que aquilo aconteceu antes, encontra uma beleza entre aqueles bichinhos, fazendo o comentário sobre como o ser humano se usa dos animais ser muito mais poderoso do que quase todas as “críticas sociais” que a Marvel tentou fazer ao longo desses 15 anos.

É bem verdade que o filme é cheio de excessos, sugere uma finalização que é ilusória (culpa mais do Universo de Feige do que de Gunn) e mostra em muitos momentos que a fórmula Marvel já está para lá de ultrapassada. Mas James Gunn nos lembra mais uma vez que, mesmo dentro da dinâmica de um universo cinematográfico de estúdio, o bom diretor consegue encontrar uma forma de dar sua cara à obra. Ele claramente acredita naquele mundo e personagens, no seu microcosmo que nada deve ao MCU. É na sua paixão ingênua que o universo volta a respirar, ainda que isso não deva perdurar além do próximo filme genérico que venha este ano. “Guardiões da Galáxia Vol. 3” nos lembra que o melhor da Marvel é sempre quando pensa em suas obras e personagens em um contexto menor (exceção feita aos Vingadores 3 e 4), muitas vezes até despretensioso e maniqueísta, e não na dependência megalomaníaca de existir por mais 10 anos só porque ainda tem algum lucro e direito a personagens conhecidos.

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