Português (Brasil)

|Crítica| 'Golda - A Mulher de Uma Nação' (2023) - Dir. Guy Nattiv

|Crítica| 'Golda - A Mulher de Uma Nação' (2023) - Dir. Guy Nattiv

Crítica por Victor Russo.

Compartilhe este conteúdo:

'Golda - A Mulher de Uma Nação' / Diamond Films

 

Título Original: Golda (EUA)
Ano: 2023
Diretor: Guy Nattiv
Elenco : Helen Mirren, Liev Schreiber, Camille Cottin, Lior Ashkenazi e Ellie Piercy.
Duração: 100 min.
Nota: 1,5/5,0

 

A decupagem de “Golda” busca o olhar sofrido e cada gesto pesaroso de sua protagonista, a fim de torná-la a representação de uma nação exaltada e pura lutando contra seres desumanizados

Em preto e branco, vemos Golda Meir (Helen Mirren) no carro, com rosto de dor, a personagem parece acuada, sentindo todo o pesar sob os seus ombros, enquanto Guy Nattiv faz questão de captar o momento com calma e permanecendo por alguns segundos em um super close do olhar sofrido, mas forte de Mirren. Ao sair do veículo, a personagem marcha rumo ao tribunal, enquanto o filme ganha cor. Começaremos a acompanhar a vida dessa mulher vista como heroína em Israel. A escolha de Nattiv não é contar a vida inteira da personagem, rejeitando a tradicional “cinebiografia Wikipédia”. Acertadamente (pelo menos do ponto de vista de recorte), ele seleciona apenas alguns dias, começando um dia antes da Guerra do Yon Kippur e finalizando pouco mais de 20 dias depois, tendo o julgamento de seus atos apenas como um fechamento para aquilo que presenciamos na pele da personagem. 

Entretanto, a descrição que fiz da sequência inicial do longa não é por acaso. Ele resume a abordagem de Nattiv para a sua personagem-atriz. Apesar de muita gente ignorar que o discurso cinematográfico vai muito além do que é dito e tem na imagem (e som) sua grande força, “Golda”, ainda que seja um longa que fala muito, sobretudo para nos situar nos meandros estratégicos da guerra, utiliza-se justamente dos elementos mais audiovisuais para construir a sua visão sobre aquele contexto geopolítico e, sobretudo, sobre a personagem-título. Em teoria, seria algo bom, ainda mais visto que há uma preocupação estética em como Golda é filmada. Na prática, o diretor faz da dor da sua protagonista a sua problemática propaganda política.

Não que não seja uma prática comum aos chamados Oscar bait, principalmente aqueles focados em exaltar uma atuação em específico, como é o caso aqui. E, nesse sentido, pelo menos a simples preocupação por uma estética menos genérica faz “Golda” ser um refresco em relação aos seus semelhantes. Entretanto, isso não muda o fato que tal abordagem vai ter a mesma finalidade. Mais do que isso, aqui não é só um “deixa a Helen Mirren brilhar”, o que ela definitivamente faz da forma como o filme propõe para ela. Muito além da atriz e sua pesada maquiagem, Nattiv está preocupado com a figura real e em todo o discurso que ela carrega consigo.

Assim, o filme se fecha em espaços restritos, seja com Golda sozinha ou cercada de homens que tomarão as decisões com ela. Só que todo mundo ali para além dela é mero figurante, já que a decupagem em todo instante vai buscar a personagem. Mais do que isso, há uma clara tentativa de manipulação a fim de fazer o público simpatizar com a protagonista. As sombras, as imagens da Guerra (que funcionam como se fosse um chamado a adentrarmos o subjetivo da personagem sentindo aquele evento de destruição), os gestos incomodados, como o acender do cigarro (repetido durante todo o longa) e uma Mirren sempre com olhar triste, prestes a escorrer uma lágrima, mas segurando tudo com a firmeza de uma personagem que toma as decisões por toda uma nação e um povo para além daquele país, vão marcar essa figura posta como a heroína que sente a dor de cada escolha que é obrigada a fazer. Isso é ainda reforçado por sua debilidade física, resultante de um câncer, que volta repetidas vezes para colocá-la em uma situação ainda mais difícil, mas sem nunca demonstrar uma debilidade emocional frente aos outros e frente à própria câmera.

O discurso então se escancara. De um lado temos essa heroína forte, lutando por um povo íntegro, mas acuada por seres desumanizados (que nem vemos para além de imagens reais) e cruéis, que interromperam o cessar-fogo repentina e inesperadamente no dia sagrado para os judeus e ainda tiveram um apoio dos sempre vilões russos. Esse é o retrato propagandístico de “Golda” ao individualizar em sua protagonista vulnerável as dores de todo um povo e deixar para os seus rivais apenas o status de agentes da morte, como é revelado de forma ainda mais manipulativa em uma das cenas finais, com Mirren parada olhando os caixões sendo postos no chão com a bandeira de Israel por cima, ou mesmo quando ela chora ao ver a datilógrafa recebendo a notícia do filho morto. A humanidade está deste lado, Nattiv nem tenta esconder isso, ainda mais em um filme hollywoodiano (nem precisa ser dito que árabes e russos são os inimigos de longa data dos Estados Unidos), enquanto do outro é só vilania. É de uma irresponsabilidade propagandística vergonhosa.

 

Compartilhe este conteúdo: