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|Crítica| 'Godzilla Minus One' (2023) - Dir. Takashi Yamazaki

|Crítica| 'Godzilla Minus One' (2023) - Dir. Takashi Yamazaki

Crítica por Victor Russo.

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'Godzilla Minus One' / Sato Company

 

Título Original: Godzilla Minus One (Japão)
Ano: 2023
Diretor: Takashi Yamazaki
Elenco : Ryunosuke Kamiki, Hidetaka Yoshioka, Minami Hamabe e Kuranosuke Sasaki.
Duração: 125 min.
Nota: 4,5/5,0

 

Takashi Yamazaki nos convida a testemunhar o surgimento de um Deus, que se apresenta gigante e glorioso como toda a destruição capaz de criar

Poucas figuras são tão presentes no cinema quanto Godzilla. Ser quase mitológico, que surge como uma metáfora por parte dos japoneses para a Segunda Guerra Mundial e as duas bombas atômicas, esse Deus da destruição foi rapidamente sendo corrompido pelo ocidente, majoritariamente por Hollywood, que o igualou ao King Kong e fez dele apenas mais um monstro gigante capaz de destruir cidades. Mais do que um símbolo, nos Estados Unidos, Godzilla virou um gerador de catástrofe, que só se diferencia dos tantos filmes de vulcão, terremoto, tornado e invasões alienígenas por conta dessa obsessão criada em torno dos animais gigantes (o que o aproxima mais uma vez do King Kong e de outros monstros populares entre as décadas de 1930 e 50). Tal perspectiva, de simplesmente fazer do Godzilla um artifício de entretenimento, e menos um símbolo, domina os filmes recentes hollywoodianos (os dois “Godzilla”, além do “Godzilla vs Kong”). Entretanto, esse olhar comercial de tornar o monstro gigante uma franquia rentável carrega consigo não só uma falta de entendimento do personagem, mas, principalmente, uma diminuição dessa figura ao inseri-la em uma padrão estético industrial. Assim, no ocidente, o Godzilla destrói, une a sociedade para vencê-lo, vira objeto de estudo científico, mas nunca há um real fascínio sobre a dimensão física e simbólica desse animal pré-histórico.

Claro, não é como se a apropriação hollywoodiana tivesse proibido ou diminuído o interesse japonês por Godzilla e outros kaijus. Inclusive, não faz tanto tempo que o aclamado “Shin Godzilla” ganhou as telas e fez sucesso nas bilheterias japonesas. “Godzilla Minus One” chega então não como uma retomada e nem como uma ampliação da mitologia do Godzilla, mas como um olhar dessa figura no imaginário japonês, fazendo o símbolo ganhar um corpo físico e permitindo aos humanos impotentes não fazerem nada além de testemunhar. Muito se reclama (com razão) dos núcleos humanos genéricos dominarem os filmes da Warner Bros., enquanto o Godzilla pouco aparece e quando “aparece” quase não o vemos. Yamazaki não muda exatamente a dinâmica do tempo de tela dado para cada momento-gênero (drama x ação/destruição). Então, o que faz “Godzilla Minus One” atingir tal dimensão emocional é não só a forma como o filme para tudo a cada aparição do Godzilla, mostrando-o como um Deus intocável, mas também por integrar toda a narrativa emocional de Koichi (Ryunosuke Kamiki) a esse ser e à Guerra que simboliza sua aparição.

Assim, Koichi é impedido de morrer e de viver ao mesmo tempo. Sua guerra não acabou, mas ele pouco consegue fazer para terminá-la. Ele é o trauma de todo um povo, alguém que não pôde mudar o passado e se sente impotente no tempo presente. Yamazaki o transforma então apenas nesse dispositivo de olhar. Não importa o que ele faça, sua vida sempre se entrelaçará com a do Godzilla. Cabe a ele então esse papel de testemunha inoperante. Fugir se torna impossível, enfrentar mais ainda. O personagem é refém do passado e do futuro, e em meio a toda a sua dor vemos aquele monstro crescendo em tela gerando cada vez mais destruição. Consequência da Guerra, mas também resposta da natureza, Yamazaki manipula nossas emoções e nos torna tão ineptos quanto o seu protagonista. O Godzilla vê tudo como seu, age a seu bel prazer e o diretor faz questão de nos fascinar com esse poder de aniquilação. Não deixa de ser uma visão de entretenimento, mas não aquela de Hollywood, e, sim, uma atração impossível de se desgrudar. O som some e o impacto vem, o desespero é mostrado, enquanto ficamos imóveis. São sequências que fazem o mundo desaparecer, vivemos aquele momento quase que se desgrudando do nosso próprio corpo. 

O cineasta deixa claro então que tal dicotomia entre mostrar mais ou menos o monstro, e retirar ou manter o núcleo humano, não é necessariamente verdadeira. Pode ser no cinema hollywoodiano, em que tudo perde o significado e se transforma apenas em um monstro gigante destruindo coisas. Yamazaki não muda a equação, só a redefine. Godzilla só ganha tal dimensão e impacto a cada aparição por causa de Koichi, enquanto Koichi tem a nossa sensibilidade por conta do Godzilla e da Guerra que o assombra. Até a forma como o diretor revela a criatura, sem escondê-la em chuva e fumaça, só tem esse impacto todo porque ganha o status de revelação perante o protagonista. Poucas vezes o cinema foi tão capaz de criar fascínio e destruição ao mesmo tempo quanto “Godzilla Minus One”, e isso só seria possível visto pela lente de quem entende a dimensão desse Deus e toda a sua mitologia para além da sétima arte e o entretenimento que ela promove por décadas.

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