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|Crítica| 'Glass Onion: Um Mistério Knives Out' (2022) - Dir. Rian Johnson

|Crítica| 'Glass Onion: Um Mistério Knives Out' (2022) - Dir. Rian Johnson

Crítica por Victor Russo.

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'Glass Onion: Um Mistério Knives Out' / Netflix

 

Título Original: Glass Onion: A Knives Out Mystery (EUA)
Ano: 2022
Diretor: Rian Johnson
Elenco : Daniel Craig, Edward Norton, Dave Bautista, Janelle Monáe, Kate Hudson, Kathryn Hahn, Madelyn Cline, Leslie Odom Jr. e Jessica Henwick.
Duração: 139 min.
Nota: 4,0/5,0
 

“Glass Onion: Um Mistério Knives Out” se exibe como filme, enquanto Rian Johnson ironiza “as camadas de um filme” ao revelar sua sequência “apenas” como um filme de gênero

Desde o seu filme de estreia, o ótimo neo-noir juvenil “A Ponta de um Crime”, Johnson demonstra interesse e habilidade em trabalhar com gêneros estabelecidos de uma maneira muito pessoal. Nesse sentido, os seus melhores trabalhos se destacam: “Star Wars VIII: Os Últimos Jedi” e “Entre Facas e Segredos”. No primeiro, o cineasta cria em cima da maior franquia da história uma visão pessoal, que rompe com o maniqueísmo e estabelece uma nova estética que conversa tanto com outros gêneros quanto com novas possibilidades para Star Wars (é uma pena que tal visão não teve sequência após o hate de parte dos fãs). 

Já em “Entre Facas e Segredos”, Johnson satirizava de forma respeitosa e apaixonada histórias de detetive, muito populares na literatura de nomes como Agatha Christie e Arthur Conan Doyle e que já tinham um forte grau de ironia e excentricidade nos personagens Hercules Poirot e Sherlock Holmes, além de seus coadjuvantes, mas subvertia a lógica do "whodunit" (quem fez) para o como foi feito. 

Sabendo do sucesso absoluto do seu predecessor, da dificuldade que seria superá-lo e do problema de simplesmente replicá-lo apenas mudando o caso a ser investigado, Johnson transforma “Glass Onion” não apenas em um filme que brinca com o "whodunit", como o primeiro já fazia, mas em um longa que ironiza também o próprio “Entre Facas e Segredos”, as sequências de forma geral e o cinema e os analistas de internet. Tudo isso revelando desde os primeiros segundos a autoconsciência de que aquilo é um filme.

Assim, Johnson se diverte ao estabelecer os seus novos personagens a partir de telas divididas, movimentos de câmera expressivos e uma montagem espertinha. É o filme deixando claro que em nenhum momento esconderá o seu caráter de filme autodeclarado, o que permeia toda a narrativa, seja em como o cineasta mira a sua câmera de forma escancarada (com muitos travellings e closes evidentes) para personagens e objetos sugerindo possíveis pistas, ou, principalmente, quando ele rompe com o desenvolvimento clássico de obras do gênero ao revelar bem cedo uma nova trama, mostrando ao espectador que o cineasta estava nos enganando, e, assim, convidando-nos a ver todos aqueles eventos por uma nova ótica.

Ao criar toda essa autoconsciência e se declarar como filme ao espectador, Johnson mostra mais uma vez que o interesse principal não está necessariamente em quem cometeu o crime, o esperado para essas histórias que ele está homenageando, mas nesse jogo de ilusionismo criado por Benoit Blanc, que já sabe toda a verdade há muito tempo, mas a esconde dos demais personagens criando quase um espetáculo de mágica, enquanto vende uma suposta complexidade do plot que não existe, algo que o filme já havia revelado para nós quando o protagonista rapidamente resolve a brincadeira de assassinato que deveria ser super complexa de descobrir.

É quase como se Johnson estivesse criando uma ode ao filme de gênero e nos mostrando que o cinema é capaz de criar, em meio a todo o seu ilusionismo, uma diversão por meio da frontalidade, às vezes até do óbvio (como é a descoberta do assassino nesse longa). O nome da obra, “Glass Onion” (cebola de vidro), e sua introdução na trama servem perfeitamente como uma piada com o mesmo propósito. Tudo aquilo não passa de uma fortaleza cheia de camadas, mas que, na verdade, ao ser feita de vidro, vemos o seu interior sem nenhuma dificuldade. É o longa falando que, em meio a toda essa suposta complexidade, está interessado em ser apenas um filme de gênero.

A escolha das “camadas”, então, não poderia ser mais óbvia (e é justamente daí que parte a graça). Quem nunca viu alguém falando sobre “as camadas” de um filme tentando provar que ele é complexo e o seus personagens “multidimensionais”? Porém, na maioria das vezes (não em todas, é claro), isso não passa de uma bobagem pseudo profunda. Essa ideia tola, repetida cada vez mais (com o auxílio da internet), de que o bom filme é “complexo”, fazendo com que obras mais frontais ou de gênero sejam sempre renegadas a uma posição menor, mesmo quando essas lidam com o fazer cinema de uma forma muito mais interessante.

É justamente isso que acontece em “Glass Onion”, que em meio a sua autoparódia ou brincadeira com sequências que sempre precisam ser maiores do que o filme anterior (aqui ele ironiza isso ao criar tudo da forma mais grandiosa e mirabolante possível, desde os cenários até o plot, personagens e a explosão da cebola de vidro ao final, ao mesmo que ridiculariza todo esse exagero), Johnson se prova mais uma vez como um diretor extremamente habilidoso ao lidar com a linguagem cinematográfica. 

Enquanto muitos vão cair na armadilha da “complexidade” e falar que o filme é sobre o mundo capitalista e a internet (o que até é um tema presente), capazes de criar bolhas que só se misturam quando o dinheiro fala mais alto, a grande sacada do longa está, na verdade, em como mostra que o cinema de gênero também pode ser um cinema de qualidade, por exemplo ao criar a melhor piada do longa, envolvendo alertas de celular e a proteção a um quadro famoso, que começa visual e explicada, mas depois se transforma apenas em sons de fundo quase imperceptíveis, e, por isso, ainda mais engraçados (algo semelhante ao humor que Jacques Tati empregava em suas obras), para  consequentemente ainda ter um valor gigantesco para a trama. Esse simples momento é de uma “complexidade” cinematográfica muito maior do que qualquer personagem “multidimensional” ou “camada” que filmes tidos como superiores geralmente têm.

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