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|Crítica| 'Garoto dos Céus' (2022) - Dir. Tarik Saleh

|Crítica| 'Garoto dos Céus' (2022) - Dir. Tarik Saleh

Crítica por Victor Russo.

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'Garoto dos Céus' / Pandora Filmes

 

Título Original: Cairo Conspiracy (Suécia)
Ano: 2022
Diretor: Tarik Saleh
Elenco : Tawfeek Barhom, Fares Fares, Mohammad Bakri, Makram J. Khoury e Mehdi Dehbi.
Duração: 125 min.
Nota: 3,0/5,0
 

“Garoto dos Céu” recorre ao cinema hollywoodiano para expor as hipocrisias de uma relação contaminada e indissociável entre política e religião

Faz muito sentido "Garotos do Céu" aparecer na pré-lista do Oscar na categoria de Melhor Filme Internacional. Por mais que o filme provavelmente não fique entre os cinco para conseguir uma indicação, só o fato do longa sobreviver ao “top 15” sem uma grande distribuidora como Amazon, Netflix, Neon ou Sony Classics por trás já diz muito sobre ele ter sido bastante aceito pelos votantes da Academia. E não teria como ser diferente, já que, apesar de ser uma produção sueca, o longa pouco tem da identidade do cinema escandinavo. É um thriller político de conspiração com a cara do cinema dos Estados Unidos, assim como os temas trabalhados (crítica ao mundo islâmico, tanto à religião quanto à política) são um deleite para o estadunidense.

Assim, Tarik Saleh (diretor sueco, filho de pais egípcios) centra a sua história no Egito, levando um jovem promissor do interior para Cairo, a fim de estudar na universidade Al-Azhar, a mais prestigiada do país e com foco no estudo da religião islâmica. Em seguida, ele é jogado contra a sua vontade em uma conspiração que começa com um assassinato e se volta para a definição de quem será a nova figura religiosa mais importante do país.

Seja no thriller político/de espionagem, como “3 Dias de Condor”, ou nos demais gêneros do cinema, como “Os Bons Companheiros”, a história do jovem que entra, por vontade própria ou por acidente, em um mundo muito maior do que ele pensa, cheio de corrupção, mortes e personagens não confiáveis, não é novidade no cinema, e Saleh parece ter consciência disso. O interesse de “Garoto dos Céus” está destinado muito mais ao contar essa história “comum”, mas em um local diferente do habitual. A preocupação é menos com a forma (como contar) e mais com a ambientação, a história e seus temas.

Por isso, o longa não parece ter muita preocupação em reinventar o gênero ou sequer subverte as escolhas de linguagem mais tradicionais do thriller político. A câmera na mão que treme para gerar o desconforto do personagem, ou a câmera que acompanha o protagonista pela nuca para termos cada descoberta junto com ele. Os ambientes fechados e o close como figura essencial de identificação. Com exceção de alguns planos mais abertos que demonstram a amplitude e a arquitetura do local, o filme de Saleh segue quase a cartilha dos filmes semelhantes que vieram antes. Ainda que ele tenha um controle bem grande desses artifícios e seja capaz de por meio deles manipular o espectador constantemente a temer pela vida do protagonista, criando quase um thriller de sobrevivência dentro do thriller político-religioso.

Porém, a atenção do diretor está mesmo nos eventos e nas reviravoltas. Até a tensão da sobrevivência que citei acima só funciona mesmo por conta dos momentos e situações que a história cria para o personagem principal. Não é de se espantar que o filme ganhou “Melhor Roteiro” no Festival de Cannes, assim como, mais uma vez, agrada aos votantes do Oscar, visto que a indústria americana de cinema é em sua maior parte moldada sob as regras de roteiro estipuladas e engessadas por Syd Field, a famosa fórmula repetida à exaustão porque “dá certo”.

Assim, o thriller político aos moldes hollywoodianos cria o cenário perfeito para o tema ganhar destaque. Por mais que o personagem nunca seja totalmente passivo, ele toma atitudes necessárias para salvar sua pele, no fundo, ele funciona mais como um olhar do público para aquela situação. O que funciona mesmo não só por percebermos que todos que o manipulam são podres em algum grau, mas principalmente quando entendemos que o lado mais sujo é justamente para quem ele é obrigado a trabalhar: o estado que tenta se apoderar também da religião a fim de controlar as duas maiores forças de manipulação da população. Quando entendemos isso, somos jogados na dicotomia de torcer para esse estado corrupto, já que essa é a única possibilidade de salvação para aquele jovem.

Então, apesar de bastante convencional, “Garoto dos Céus” consegue ser eficiente ao conduzir uma temática difícil e poderosa por meio da narrativa tensa e cheia de reviravoltas que o thriller político e de espionagem sempre pede. 

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