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|Crítica| 'Fúria Primitiva' (2024) - Dir. Dev Patel

|Crítica| 'Fúria Primitiva' (2024) - Dir. Dev Patel

Crítica por Victor Russo.

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'Fúria Primitiva' / Diamond Films

 

Título Original: Monkey Man (EUA)
Ano: 2024
Diretor: Dev Patel
Elenco : Dev Patel, Pitobash, Jatin Malik, Adithi Kalkunte, Sikandar Kher e Makrand Deshpande.
Duração: 121 min.
Nota: 2,0/5,0

 

Equilibrando-se entre a homenagem e a negação a John Wick, Dev Patel volta sua preocupação para a Índia, mas o faz à la hollywood

É difícil pensar em um filme de vingança atualmente em Hollywood sem ter John Wick como um parâmetro. A franquia que se iniciou em 2014 se transformou em uma espécie de base contemporânea para o gênero de ação de forma geral, sobretudo para obras que buscam uma simplicidade maior da trama, tendo a ação como real interesse. O terno, as armas, o protagonista indestrutível, as luzes neon, entre outros tantos elementos, podem não ser novidade em longas do tipo, mas ganharam um novo caráter sob a encenação de Chad Stahelski. Dev Patel reconhece isso logo de cara, citando a franquia protagonizada por Keanu Reeves por meio de uma arma, antes do protagonista (interpretado pelo próprio Patel) rejeitar esse revólver para escolher um “mais simples”, segundo ele mesmo. Se a encenação em si, os figurinos e a iluminação já não fizessem esse flerte com John Wick, a situação literal torna toda a questão ainda mais presente. Fúria Primitiva vive nesse jogo de referenciar e negar John Wick a todo instante, reconhecendo o peso que a franquia de Stahelski exerce sobre o gênero, mas buscando uma forma de encontrar sua própria voz por um caminho “diferente” de filmar ação e, sobretudo, voltando uma atenção especial para a Índia.

Só que Patel não consegue se equilibrar nesse meio do caminho que sua própria pretensão cria. Fazendo um filme de estúdio em Hollywood como estreante na direção, o cineasta britânico de pais indianos demonstra uma inabilidade de conduzir as sequências de ação, recorrendo majoritariamente a um recurso que foi dominante no cinema americano e John Wick veio como uma forma de romper. A câmera tremida e os cortes constantes parecem demonstrar um desinteresse pelo movimento, pelo apreciar a imagem se desenhando por meio daqueles golpes, tiros e perseguições. Não é uma desespacialização consciente, é uma rejeição do ver em prol do dinamismo, algo bastante típico de diretores com pouca habilidade no gênero. 

Porém, mais do que inabilidade, Patel se desvia um pouco do gênero por ele mesmo, aquela noção típica da ação como algo menor que precisa de uma sustentação tematicamente relevante para se transformar em algo realmente digno. Mas é justamente nesse processo que o cineasta fica em um meio do caminho contraditório. Por um lado, consegue construir uma representatividade trans interessante, como personagens presentes na trama, ainda que subutilizadas na hora de maior empolgação. Por outro, cai nos fetichismos da pobreza típicos de filmes hollywoodianos que miram em países do sul global a fim de se mostrarem preocupados. Apesar de filho de indianos, Patel pouco de diferente faz do que Danny Boyle havia representado em Quem Quer Ser Um Milionário, protagonizado pelo próprio Patel. O filtro amarelado que os Estados Unidos amam para filmes que se passam teoricamente no México, na América do Sul, na África ou em países asiáticos, que parecem suficientes para uma representação superficial da realidade local.

Mais do que isso, em um filme que clama tanto por uma representatividade indiana, país que tem um cinema de ação espetacular, marcado pela fantasia, exuberância visual, artificialidade e paixão, Patel parece não compreender que a dominância de discurso não é temática ou de história, mas é principalmente estética. O cineasta trai então o próprio discurso ao rejeitar o que há de mais indiano em um gênero que o país domina como poucos para adentrar o que há de mais hollywoodiano e genérico do cinema de vingança. Se pensar que Stahelski busca suas referências no cinema asiático para a encenação de John Wick, Patel parece se colocar mesmo no lugar mais tradicional que o cinema americano tem tido nas duas últimas décadas no gênero.


 

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