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|Crítica| 'Fogo Fátuo' (2023) - Dir. João Pedro Rodrigues

|Crítica| 'Fogo Fátuo' (2023) - Dir. João Pedro Rodrigues

Crítica por Victor Russo.

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'Fogo Fátuo' / Vitrine Filmes

 

Título Original: Fogo-Fátuo (Portugal)
Ano: 2023
Diretor: João Pedro Rodrigues
Elenco : Mauro Costa, André Cabral, Joel Branco e Margarida Vila-Nova.
Duração: 67 min.
Nota: 3,5/5,0

 

João Pedro Rodrigues parte de uma sátira explícita mais teatral para encontrar ternura no erotismo musical

"Fogo Fátuo” é um filme curioso desde o seu título e sua premissa até a execução estética e a escolha do que mostrar. Iniciamos no ano de 2069 (o 69 definitivamente não é por acaso) com um personagem falecido (aqui vem a ideia de fogo fátuo, os gases liberados na decomposição de um corpo. Aqui, um corpo que ardia de paixão e tesão no passado). Então, somos levados para uma estrutura teoricamente bastante usual, o filme contado em flashback para mostrar quem foi aquela pessoa e o que ela viveu. Só que, se a vida de Alfredo (Mauro Costa) já não foi nada usual, a abordagem de Rodrigues é menos ainda. Pensando bem, nem a duração (67 minutos com os créditos) é comum para um longa-metragem.

De início, em 2011, vemos um Alfredo jovem, mas certo de que não deseja trilhar o caminho posto a ele desde o seu nascimento. Em certo sentido, o design de produção de sua casa aristocrática ser praticamente igual em 2011 e em 2069 não é por acaso. Por um lado, temos essa visão bastante clara de Rodrigues de que a própria existência de uma aristocracia imperial no presente é tão ultrapassada quando é em sua perpetuação em um futuro longínquo. Por outro, o quadro de forte apelo escravagista vai ter uma conotação distinta quando descobrimos o amor que tomou o coração do protagonista. O cineasta, então, opta por um diálogo claro com o teatro (o que não é novidade no cinema português deste século, muito visto nos filmes de Rita Azevedo Gomes), desde os personagens anunciado o fim da cena fechando uma porta que se transformará em elipse, até a encenação que exibe aqueles jantares para o público sempre visto de uma posição (reparem como sempre vemos a irmãs de costas, reforçando a falta de importância delas na narrativa, os pais distantes e de lado, unidos apenas por um discurso retrógrado, enquanto o protagonista é sempre visto de frente como o principal objeto de interesse). E, por mais que a sequência musical da floresta até gere uma dinâmica mais cinematográfica, ela ainda assim segue essa clareza no discurso satírico semelhante aos jantares.

O anúncio de Alfredo sobre entrar em um corpo de bombeiros (estranho por si só, já que o personagem é um príncipe), vem acompanhado de uma nova dinâmica estética ao filme. É como se Rodrigues se libertasse junto ao seu protagonista, saindo da restrição do teatral para a liberação por meio do musical e do erotismo. “Fogo Fátuo” vai se entendendo, redefinindo sua própria mise en scéne, criando, assim, não um explícito por meio dos diálogos, mas pela mostração. A chegada do protagonista no corpo de bombeiros é acompanhada por um choque naquilo que ele vê e que pode escandalizar o espectador conservador mais desavisado, desde os defensores dos “costumes” até essa nova geração da esquerda problematizadora de tudo que envolva sexo. Assim, o longa passa não só a conversar com a cultura queer, mas a construir sua própria estética nesse sentido, uma espécie de conto de fadas gay. Corpos são exibidos, obras de arte clássicas são subvertidas a fim de chocar ou se divertir, a própria ideia do bombeiro que apaga o fogo é levado para o sentido mais sexual possível.

Entretanto, por mais que o corpo, a autodescoberta e o erotismo de mostração nunca abandonem o filme, é interessante perceber como a conexão entre Alfredo e Afonso (André Cabral) transforma o explícito em sensualidade, uma sensualidade cheia de paixão que mostra o ato sexual (lembra do 2069?), por meio de um jogo de montagem, mas o carrega por uma ternura poética. O “diálogo” do momento, uma brincadeira que une tesão e ofensas, é quase que suprimido por esse desejo ardente carregado de amor dos personagens. Eles nem sequer parecem ouvir o xingamento do outro, a força do momento está naquilo que eles sentem e que Rodrigues faz explodir para além da tela. É a subversão final ao conto de fadas tradicional, que geralmente joga pelas regras do amor idealizado e puritano, que mesmo quando olha para os homossexuais, o faz sob o modelo vigente. Sorte que ainda existem diretores como João Pedro Rodrigues, capazes de fazer o desejo sexual resistir nos cinemas e de fazer o seu príncipe descontente com a vida monárquica não beijar a donzela mais linda do reino, mas deixar o seu amante ejacular em seu rosto. 

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