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|Crítica| 'Flee: Nenhum Lugar Para Chamar de Lar' (2022) - Dir. Jonas Poher Rasmussen

|Crítica| 'Flee: Nenhum Lugar Para Chamar de Lar' (2022) - Dir. Jonas Poher Rasmussen

Crítica por Victor Russo.

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'Flee: Nenhum Lugar Para Chamar de Lar' / Diamond Films
 
 
Título Original: Flugt (Dinamarca)
Ano: 2022
Diretor: Jonas Poher Rasmussen
Elenco (Vozes) : Amin Nawabi, Daniel Karimyar, Fardin Mijdzadeh e Milad Eskandari.
Duração: 89 min.
Nota: 4,0/5,0

 

“Flee” usa das possibilidades cinematográficas para existir, em uma obra em que a identidade é tema e estilo.

Não é de hoje que a animação é utilizada como uma técnica interessante de representar relatos em documentários, seja por fins estéticos, impossibilidade de mostrar imagens reais que nunca foram filmadas ou mesmo para poupar o espectador de algum tipo de desconforto. Nesse sentido, “Valsa com Bashir" sempre foi uma referência de documentários animados.

Então, surge Jonas Poher Rasmussen com o brutal e delicado “Flee”, longa indicado a três estatuetas no Oscar 2022 (Documentário, Animação e Filme Internacional), para unir estética ao retrato de imagens perdidas ou nunca feitas e a necessidade de esconder a realidade de seu espectador. Mas, aqui, a necessidade de tais elementos se assemelha muito mais ao propósito de “Bem-Vindo à Chechênia”, recente e espetacular documentário que usa o deep fake para preservar a identidade de seus personagens.

Só que, em “Flee”, a identidade vai além de apenas sabermos quem são aquelas pessoas. Como na frase que abre o filme sobre o significado da palavra “lar”, a identidade no longa se expande para um contexto de liberdade, conforto, segurança e identificação. 

Acompanhamos então um refugiado afegão que teve de deixar o seu país para se proteger da guerra, perdendo assim a sua liberdade de viver no país em que nasceu, ao mesmo tempo em que não se identificava com aquele que foi levado a viver. Além disso, era obrigado a esconder sua identidade como pessoa e também sua sexualidade. Assim, não pode se assumir gay, nem para família, muito menos para a sociedade de um país que tem a caça à comunidade LGBTQIA+ como política velada do estado. Ao mesmo tempo, sua identificação com aquele novo território nunca existiu, mas o retorno ao seu lar também jamais seria possível novamente.

E é justamente por meio desse escudo natural que o personagem cria que somos apresentados a ele. Aos poucos, ele vai se abrindo para nós, mas nunca completamente. Identificamos sua sexualidade, os episódios de sua vida, o destino de sua família, mas nunca sabemos exatamente quem ele é. Ou será que sabemos? O que é realmente a identidade, aquilo presente em seu passaporte ou quem você realmente é como ser humano? Identidade é uma coisa única, ou ela pode significar também liberdade, segurança, conforto e lar?

São essas as questões que trazem contornos para esse protagonista, que começa a abrir sua identidade para nós, quando não o faz nem mesmo para o seu marido. É nesse momento que “Flee” se transforma em uma espécie de sessão de terapia, com um personagem revelando sobre o seu passado e seus traumas que continuam o afetando até hoje, a fim de finalmente conseguir confiar nas pessoas que o cercam e amam.

É aqui que mais uma vez a possibilidade cinematográfica trazida pela animação serve como elemento fundamental para impactar o espectador sensorialmente. Se os relatos são chocantes por si só, eles ganham ainda mais força quando somos levados a imaginá-los ao vermos a sua representação animada. Ainda que não tenha o impacto da visão real, a animação choca ao fazer nossa mente preencher os acontecimentos visualmente como bem entendemos.

Assim, “Flee” prova mais uma vez como mais do que uma boa história, são as escolhas de linguagem cinematográfica, mesmo as mais simples (como contar uma história de forma animada), que nos impactam ao assistir a um filme, mesmo quando os relatos reais já são chocantes por si só.
 

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