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|Crítica| 'Família' (2025) - Dir. Francesco Costabile

|Crítica| 'Família' (2025) - Dir. Francesco Costabile

Crítica por Raissa Ferreira.

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'Família' / Imovision

 

Título Original: Familia (Itália)
Ano: 2025
Diretor: Francesco Costabile
Elenco: Francesco Gheghi, Barbara Ronchi, Francesco Di Leva, Marco Cicalese e Enrico Borello.
Duração: 120 min.
Nota: 2,0/5,0

 

Destacando os ciclos de abuso para construir tensão, Francesco Costabile tem problemas para lidar com os temas que levanta e retratar as vítimas de sua história

Após diversas violências, uma mulher decide viver a vida com os filhos, longe do marido que retornará da cadeia. O ato burocrático de remover o homem da família é retratado dessa mesma forma, como uma ação protocolar encabeçada por Licia (Barbara Ronchi) que acaba por não ter efeito prático na vida familiar. Essa mulher sofrida, amedrontada, parece ser a protagonista da história durante sua introdução, uma vez que é a violência que ela vive nas mãos de Franco (Francesco Di Leva) o centro da narrativa e o que causa as diversas consequências que seguem, e, também, por ser a detentora da principal perspectiva apresentada nessa primeira parte, no passado. No entanto, quando os anos se passam e Luigi (Francesco Gheghi) e Alessandro (Marco Cicalese) já são adultos, há uma pulverização que só deixará claro o protagonismo depois de algum tempo, no momento em que o escanteamento dos demais personagens fica mais evidente. Francesco Costabile se dedica a pressionar a ideia do ciclo de abuso em Família, operando entre o horror e o suspense dramático, tornando os retornos de Franco sempre uma sina impossível de se escapar e o recomeço de uma mesma dinâmica. 

A repetição é destacada ao ponto que a mãe e os meninos ficam praticamente estagnados em suas vidas, incapazes de evoluir ou encontrar novas possibilidades. Até mesmo a casa, abandonada por Licia quando a polícia leva Franco e a afasta dos filhos, é outra, mas parece a mesma, com o mesmo quadro pendurado na sala. Os meninos, em um ótimo trabalho de casting, são muitíssimo parecidos com suas versões mais jovens, sendo fácil os identificar. Luigi, que sempre foi mais afeiçoado ao pai e fácil de convencer, se apresenta na passagem de tempo como um jovem tomado pelo fascismo, na busca por um grupo para pertencer, pessoas a quem recorrer e algo em que possa descontar seu ódio acumulado. Fica claro que Costabile quer retratar como a violência patriarcal está dentro dos lares, no cerne das famílias, e escala até grupos de ódio, e por aí vai, principalmente se concentrando nas figuras masculinas para tanto. Porém, há uma falta de sensibilidade para lidar com a vítima feminina em questão. Licia acaba sendo colocada como uma mulher que sofre sistematicamente e não tem forças para nada, nem escolher, nem reagir, nem seguir em frente, sobrando a ela que o filho, marcado pela violência, a salve justamente com esse recurso. Curiosamente, sua atitude no começo da obra indica o contrário, mas essa linha é prontamente abandonada.

Ao focar em Luigi, Família é raso lidando com seu envolvimento com o fascismo, algo que é levantado com muita energia no começo, mas vai se diluindo entre um envolvimento romântico e as problemáticas familiares em si. Costabile não consegue costurar habilmente a relação dos dois, e o grupo de ódio acaba virando um recurso frágil para marcar um ponto óbvio. Nessa mesma linha, Gigi, o protagonista, tem também a tendência a repetir o ciclo de violência que vivenciou desde muito novo, sendo ríspido e agressivo com a namorada. Essa moça tem o mesmo tratamento de Licia pela narrativa, é incapaz de escapar de um homem que a trata tão mal e a agride, está sempre pronta para o perdoar e esperar que ele melhore. É de se pensar que Família tem a intenção de mostrar como é difícil para as mulheres romperem com o abuso, denunciarem e escaparem, mas, justamente com essa vontade, tornar suas personagens femininas fracas e impotentes, sem as permitir alguma complexidade a ser trabalhada nas personalidades ou atitudes, faz com que elas sejam apenas um retrato raso e simplista da vítima clássica. Isso acaba por não contribuir em nada com o debate que o longa parece querer levantar. 

Portanto, com a questão feminina pobremente trabalhada, Família preocupa-se mais com como Gigi é afetado pela violência doméstica que sua mãe sofre ao longo dos anos, como a brutalidade do pai rompeu aquele núcleo e afetou seu futuro permanentemente. Todo ódio que o jovem carrega acaba sendo colocado nessa conta, enquanto seu irmão continua com a mesma personalidade mais doce, reativa ao pai e tranquila, o que faz o personagem praticamente sumir no filme. A verdade é que todas as temáticas são trabalhadas de forma rasa e insuficiente para as amarrar substancialmente ao centro da violência patriarcal. O mesmo ocorre com os personagens, pouco trabalhados, enfraquecendo o próprio título. A visão de Luigi, aplicada de alguma forma às cenas em que o estilo alude a essa memória mais traumática, desfocando os contornos e sons, poderia ser algo mais completo e íntimo de sua família e, principalmente, de si mesmo, mas o resultado é como se ele visse todas as mulheres ao seu redor como vítimas fracas e a si mesmo como um jovem rompido pela violência que só tem ela mesma como recurso para se libertar. Esse último ponto poderia ser o mais interessante, se bem explorado. Costabile até faz bem o trabalho de construir a tensão ao redor dos ciclos de abuso, tornando a permanência de Franco um problema sem saída, porém, acaba recorrendo a uma solução peculiar. 

Enfraquecendo o sistema na narrativa, devido a essa visão pessimista dos personagens que claramente não conseguem apoio do estado em suas situações, Família opta por romantizar (pela forma em que é filmado e por como a trilha sonora opera) a aceitação de Luigi como única alternativa e o assassinato por suas mãos um alívio. Essa ideia é agridoce ao passo que não é construída uma cena que enfatize a tensão entre ele e o pai, ou qualquer coisa que aumente a urgência do ato, o jovem simplesmente caminha até Franco e o mata. A situação piora pela namorada que o perdoa e a mãe que quase sorri ao ver o filho sendo levado pela polícia. A tragédia familiar, o trauma que marca Luigi e o transforma em um assassino, tudo é relativizado pela forma como o filme apresenta as ações, praticamente o levando ao posto de herói. O debate não apenas permanece raso, como também é perigosamente desviado. 

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