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|Crítica| 'Fale Comigo' (2023) - Dir. Michael & Danny Philippou

|Crítica| 'Fale Comigo' (2023) - Dir. Michael & Danny Philippou

Crítica por Victor Russo.

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'Fale Comigo' / Diamond Films

 

Título Original: Talk To Me (USA)
Ano: 2023
Diretores: Michael Philippou e Danny Philippou
Elenco : Sophie Wilde, Joe Bird, Alexandra Jensen, Otis Dhanji e Miranda Otto.
Duração: 95 min.
Nota: 2,5/5,0
 

“Fale Comigo" vive uma crise de identidade, mas entre o terror direto e o suposto “pós-terror”, o longa sempre privilegia o drama/trauma

Aclamado pelos festivais em que passou, o terror de Danny e Michael Philippou nutre a obsessão pelo trauma que vem dominando o gênero há anos, muito comum sobretudo em protagonistas femininas (“Midsommar”, “O Babadook”, “Halloween” [2018], “Huesera”, entre tantos outros), ao mesmo tempo que se usa de códigos de um terror adolescente mais frontal, de jovens fazendo besteiras, invocando espíritos e participando de festas (“Host”, “Verônica”, “Sorria”, “Verdade ou Mentira” etc). É como se a dupla buscasse uma conciliação entre aquilo que a A24 costuma distribuir, o que muitos chamam erroneamente de pós-terror (nada mais é do que o terror psicológico/dramático, mas que se vende como algo novo e elevado), e as obras da Blumhouse, repleta de sustos, jovens e uma relação mais direta com o espectador.

Claro que tal distinção é bastante generalista e simplória, seria pegar obras de diferentes cineastas e colocar em uma mesma caixinha. Robert Eggers e Ari Aster, só para citar dois, têm assinaturas particulares, igualá-los seria um tanto reducionista. Porém, ao mesmo tempo, fica clara uma certa visão entre essas produtoras/distribuidoras, uma busca por uma autoria de estúdio, seja ao selecionar o que vão produzir/distribuidor, seja no efeito que isso produz (cineastas seguindo a lógica de uma ou outra e tendo seus filmes comprados para serem distribuídos por elas). Nesse sentido, “Fale Comigo” muito mais se usa desses códigos do que tem uma relação direta com A24/Blumhouse, pelo menos inicialmente, já que o longa australiano foi adquirido pela A24 após ser exibido em alguns festivais.

Entretanto, tal busca por um certo equilíbrio entre estilos supostamente distantes do horror acaba gerando em “Fale Comigo” uma certa crise de identidade. O desbalanceamento sempre pende para as questões mais dramáticas, sobretudo a individualização do trauma da protagonista, enquanto os elementos visuais e sonoros mais próprios do terror frontal são submetidos majoritariamente à sugestão. Não que o filme não se use de sustos, deformações, gore e momentos mais grotescos, tudo isso está ali, só não parece ser o foco do longa como a ótima sequência inicial sugeria. Perceba, por exemplo, quando Mia (Sophia Wilde) tem acesso ao mundo dos mortos e é convidada a adentrar nele, o longa esconde tudo que ela passa lá dentro e resume esse desespero não ao que vemos, mas às consequências daquilo (leia-se de novo: trauma) na personagem (quando ela revela sobre) e em Riley (Joe Bird), principalmente com as mordidas no braço.

Em certo sentido, parte da frustração no andamento narrativo de “Fale Comigo” está em uma relação muitas vezes ignorada entre as tendências de um gênero e as escolhas a serem tomadas a partir delas. O longa se usa claramente de tendências atuais do horror, desde esse embate entre psicológico e frontalidade, passando pela protagonista traumatizada, a invocação de espíritos e os personagens majoritariamente jovens, até essa relação com a exposição nas redes sociais, cada vez mais explorada em uma realidade de aparências em que tudo é postado primeiro e pensado depois. A premissa da invocação ser utilizada como exibição para celulares filmando o ato é uma ideia para lá de interessante. Todavia, como o longa explora essas tendências contemporâneas vai caindo em um mar constante de falta de inventividade e lugar comum, algo bastante recorrente nos chamados “pós-terror”, que quase sempre buscam uma elevação ao focar no drama, mas geralmente pouco fogem do genérico, para além da recusa do terror sentido na pele, é claro.

Aqui não é diferente, quanto mais a investigação vai tomando forma e a protagonista começa a enfrentar os seus traumas, mais essa exposição das redes sociais ou personagens secundários, como Hayley (Zoe Terakes), que é apenas rapidamente destacado como não-binário, vão sendo descartados para vermos as mesma sequências de alucinações de sempre, compostas basicamente por Mia vendo espíritos ameaçando a ela e seus amigos, enquanto na verdade ela está possuída realizando aquelas ações. “Fale Comigo” não vai muito além disso, aceita inclusive a estética mais acinzentada e sem vida de boa parte das obras da A24 e joga sua personalidade por água abaixo em um terror com bons momentos, mas para lá de esquecível. É apenas mais um dito “melhor terror do ano” que não passa de um filme genérico e de pouco impacto. É o “Sorria”, “Noites Brutais” ou “X” da vez. Daqui um mês surge outro filme para assumir o posto.

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