|Crítica| 'Está Tudo Bem' (2021) - Dir. François Ozon
Crítica por Victor Russo.
'Está Tudo Bem' / Califórnia Filmes |
Em “Está Tudo Bem”, François Ozon faz da morte a sua missão impossivel, sem nunca deixar de lado a sua obsessão pela mulher no mundo contemporâneo
Ozon é um daqueles cineastas de carreiras bastante curiosas, sobretudo na forma como parece um diretor sempre disposto a experimentar com novos gêneros e propor algumas referências ao cinema do passado. Suspense, drama sensual, mistério e musical foram apenas alguns dos gêneros que ele abordou durante os últimos 20 anos. Agora, chega ao seu melodrama mais intenso emocionalmente, ainda que continue flertando com outros gêneros.
Dessa forma, o cinema de Ozon parece encontrar uma unidade não nos gêneros abordados, mas, sobretudo, em alguns elementos que aparecem com frequência em sua filmografia. O fascínio pelo mistério e pelo ser humano, e, sobretudo, a mulher como o interesse central durante a carreira do cineasta.
Só que, se até então, as mulheres centrais em sua filmografia apareciam quase sempre como transgressoras, possíveis transgressoras ou a encarnação da sedução, como vemos nas obras “Oito Mulheres”, “Swimming Pool” e “Jovem e Bela”, por exemplo, agora o interesse do cineasta parece se voltar para uma relação pessoal mais íntima: uma (na verdade, duas) filha(s) cuidando do pai após um AVC, até o momento em que ele pede para morrer.
Porém, apesar de a figura de destaque do longa ser o pai e a discussão em torno da eutanásia, Ozon faz tudo isso sob a visão da filha. Protagonista essa que parece ter sua vida sempre atormentada por causa do seu pai, seja pela rigidez sugerida em sua criação, ou agora por ser a responsável por tomar a decisão de matar o próprio pai contra a vontade dela. A decisão surge como o último tormento que o pai vai causar em sua vida.
Só que, ao contrário de outros diretores que constantemente trabalham a mulher como figura recorrente de sua obra, como Pedro Almodóvar e Paul Verhoeven, Ozon rejeita aqui uma estética visual mais expressiva, em prol de um abraço mais realista no sentimentalismo. A iluminação quase sempre vai ser basicamente a simulação de uma luz fria vindo pelas janelas (ou luzes do hospitais) ou uma escuridão um pouco maior quando a personagem se vê sozinha em casa.
Fica, então, a cargo do elenco criar essa expressividade do sentimento. É um filme em que o choro não se acanha em aparecer o tempo todo, sobretudo nas personagens que ficarão e sentem o prenúncio da perda, mas também naquela que só quer ter o direito de morrer. Cabe aqui uma discussão a respeito dessa comum manipulação de cineastas por meio do sofrimento das personagens, mas não acho que seja tanto o caso em “Está Tudo Bem”. Vejo uma legitimidade nas emoções aqui, como se o cineasta nunca tentasse nos fazer chorar junto aos personagens, apenas nos convidasse a entender a dor deles.
Porém, por mais que a eutanasia seja um foco bastante presente de discussão durante o longa, principalmente na burocracia que envolve uma prática teoricamente simples, a vontade de deixar a vida, o filme se torna mais interessante quando começa a abandonar um pouco desse realismo e se entrega à fantasia, em uma espécie de missão impossível.
Após dois atos com o sentimento de prenúncio, com personagens apenas aguardando e sofrendo por uma morte iminente, é no terceiro ato que Ozon se permite romper um pouco com real para poder fazer com que o esperado aconteça. É quase como o cineasta quebrando suas próprias regras, abandonando em parte o melodrama e apostando em uma espécie de thriller. Quase como se dissesse para o público que às vezes até o simples fato banal de morrer, algo que todos nós estamos fadados a encontrar algum dia, é tirado das pessoas na sociedade contemporânea, precisando dos elementos cinematográficos para poder se concretizar.