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|Crítica| 'Entre Mulheres' (2023) - Dir. Sarah Polley

|Crítica| 'Entre Mulheres' (2023) - Dir. Sarah Polley

Crítica por Victor Russo.

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'Entre Mulheres' / Universal Pictures

 

Título Original: Women Talking (EUA)
Ano: 2023
Diretora: Sarah Polley
Elenco : Rooney Mara, Claire Foy, Jessie Buckley, Judith Ivey, Ben Wishaw e Frances McDormand.
Duração: 104 min.
Nota: 4,0/5,0
 

"Entre Mulheres" desespetaculariza o tema ao não reencenar a violência, rejeitar uma imagem mais estilizada e apostar no minimalismo. É um filme em que o dito é muito mais importante do que o mostrado

É muito comum na cinefilia e na crítica de cinema ouvirmos frases que se tornam quase dogmas. Nesse sentido, uma das mais famosas é “em um filme, não fale, mostre”. Por mais que essa frase muitas vezes (talvez até na maioria dos casos) faça sentido, tratá-la como regra é simplesmente limitar as possibilidades do cinema. Por mais que pareça menos cinematográfico (o que não é e falarei mais a seguir sobre), Sarah Polley vai pelo caminho oposto. As personagens falam, mas quase nada vemos.

Por mais que sejam filmes extremamente diferentes (e “Entre Mulheres” seja bem melhor), o longa de Polley adota uma abordagem bastante semelhante a “Ela Disse”, longa lançado poucos meses antes. Ainda que o segundo seja bem mais convencional, ambos tratam de mulheres que sofreram violência sexual e adotam a opção de não reencenar tais crimes, dando espaço para as vítimas falarem sobre o que viveram, mas a obra de Polley val além.

Se “Ela Disse” é baseado em um famoso caso real, “Entre Mulheres” se inspira bem vagamente em acontecimentos. É justamente essa liberdade que permite a Polley criar um microcosmo quase atemporal. O longa até nos informa em algum momento que a história acontece em 2010. Mas, ao mesmo tempo, tal data parece não refletir o que vemos naquela comunidade, de costumes que remetem à Idade Média. A intenção, claro, é justamente falar sobre essas questões do passado que persistem até hoje. Mas a abordagem é bem pouco convencional.

Polley vai em um caminho oposto ao que Hollywood geralmente costuma fazer. Independente dos temas, o cinema americano mais comercial quase sempre preza pelo espetáculo, pelo enfeite, uma dramatização que foge do real, mas não muito. É a realidade glamourizada que domina esse cinema há muitas décadas. “Entre Mulheres”, mais uma vez, faz o contrário.

A fotografia dessaturada tira a cor e a vida daquele lugar. A decupagem mais clássica, apostando menos em movimentos de câmera e mais na força de cada enquadramento, e o cenário minimalista (o filme quase inteiro se passa dentro de um celeiro) voltam a atenção para a voz. Não é um filme de encher os olhos, mas de “encher os ouvidos”. O importante é o que elas têm a dizer quando pela primeira vez são capazes de debater e decidir os seus próprios futuros. A escolha pela não romantização fortalece o debate, joga-nos para dentro dele.

Entretanto, apesar da redução espacial e uma narrativa que se desenvolve apenas por diálogos, o longa nunca soa teatral. Muito pelo contrário, essa diminuição dá força dramática ao tema, enquanto os enquadramentos, sobretudo os planos conjuntos (quando mais de uma se posiciona da mesma forma) e primeiros planos, fortalecem essas mulheres, que apesar de não conhecerem o mundo além daquela comunidade, mostram-se extremamente diferentes entre si, o que é percebido nos diálogos e nas atuações do espetacular elenco liderado por Claire Foy, Rooney Mara e Jessie Buckley, e ainda tem uma tocante e tímida (no bom sentido) participação de Ben Wishaw.

Polley comanda essa reunião como uma orquestra nervosa, pelo passado e pelo futuro, mas nunca fugindo dessa encenação que encontra força nas vozes desse espaço reduzido. Flashbacks da violência se resumem às marcas deixadas nessas mulheres, seja os machucados ou o bebê crescendo na barriga. Mas a diretora, em nenhum momento, tenta nos chocar ao reencenar os acontecimentos. Isso diminui os agressores, não dá presença a eles, ao mesmo tempo que reforça o tema central do filme: olhar para frente para tentar não permitir que esse passado retorne.

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