|Crítica| 'Entre Montanhas' (2025) - Dir. Scott Derrickson
Crítica por Victor Russo.
![]() |
'Entre Montanhas' / Apple TV+
|
Passando com interesse por vários gêneros, Scott Derrickson realmente se encontra nas liberdades da narrativa de video game
A grande aposta da Apple para o catálogo do seu streaming no primeiro semestre, Entre Montanhas tem a cara do filme de streaming, em todas as suas simplicidades (e até fragilidades), nos diálogos e personagens secundários, sendo o maior exemplo Bartholomew, com uma Sigourney Weaver no piloto automático como a magnata malvadona de terninho que tanto tem vivido no cinema recentemente. Ao mesmo tempo, se falta refinamento no roteiro de Zach Dean (mesmo roteirista do fraco A Guerra do Amanhã, lançado durante a pandemia no Amazon Prime Video), há vontade de sobra em fazer cinema por parte de Scott Derrickson, cineasta com carreira construída no horror (sendo A Entidade e Telefone Preto os mais conhecidos), mas que já lidou com grande orçamento e produtores de estúdios maiusculos no mediano Doutor Estranho. Longe de Kevin Feige e do universo industrial da Marvel, Derrickson parece leve, brincando de fazer cinema, transportando-nos por uma jornada de muitos gêneros, tratando-os sem nenhuma sisudez ou seriedade, compreendendo a magia das liberdades mais indiscriminadas que um filme do “cinemão” blockbuster pode ter, sem as amarras recentes da verossimilhança que tiram todo o brilho dessas obras mais comerciais.
Então, após algumas explicações e conexões mais frágeis, assim como um pano de fundo com comentários bem vazios sobre o passado, o presente e o futuro, apontando o dedo para as potências da Guerra Fria dominando o mundo às escondidas, finalmente Derrickson parece chegar em um lugar mais interessante, permitindo a Anya Taylor-Joy e Miles Teller viverem esse romance de conexão imediata, contando com essa empatia que transborda no sorriso e no olhar desses bons atores. Se lida com o gênero da forma mais simples e direta possível, sem qualquer grande complexidade envolvendo os personagens, a forma como Derrickson filma essa aproximação ganha um interesse bem mais acentuado. O olhar e a comunicação, por aqueles que estão separados por um mal desconhecido, faz os elementos mais clássicos do cinema, como uma conversa filmada em plano e contra-plano, ganharem todo um artifício divertido de se observar, com os cortes não sendo mais o simples olhar de um personagem, assim como o diálogo não partir da voz deles. A distância faz a visão vir acompanhada de um binóculo que se afasta e aproxima, ao mesmo tempo que os dizeres precisam ser escritos em cartões gigantes. É essa graça já intrínseca nos elementos mais banais da narrativa que permitem a Derrickson dar um passo mais arriscado, fazendo o filme mergulhar naquele abismo desconhecido e virar outra coisa de novo. O romance com sequências de ação vira um sci-fi de conspiração carregado não mais de uma ação convencional, mas do ritmo e dos acontecimentos típicos de um gameplay.
Levi (Teller) e Drasa (Taylor-Joy) viram personagens de video game, com todos os atributos e a possibilidade de tornar o impossível um possível divertido. Se antes brincava com elementos clássicos como o plano e o contra-plano, agora Derrickson transforma a mise-en-scene em uma espécie de purgatório em constante transformação, dominado por cores vivas, com um alaranjado que vai dando lugar a um esfumaçado roxo dentro do mesmo quadro enquanto os personagens seguem em movimento. Se o horror se apresenta na maquiagem e nos monstros e criaturas horripilantes que aparecem, é essa estrutura de passagem de fases, com uma sequência de ação longa sempre seguida de uma espécie de cut scene, servindo tanto como respiro quanto como novas informações sendo inseridas antes da nova cena de ação, que domina o longa a partir de então. Porém, Derrickson não só tem uma consciência de como filmar espaço e movimento, tornando esses momentos prazerosos para os fãs do gênero, como, principalmente, a estrutura de video game nunca se torna repetitiva, já que a ação também muda a cada novo momento, da perseguição e tiroteio dando lugar a luta corpo a corpo, as escaladas mirabolantes e por aí vai. Há até um momento em que tudo para em uma sala escura para Drasa enfrentar no mano a mano um “chefão de fase”. É como se Derrickson estivesse experimentando com o cinema para fazer dessa arte impulso para uma combinação dos sentimentos de um jogador com games como The Last of Us, Uncharted e tantos outros. É o prazer pelas sensações mais genuínas do cinema de gênero que tanto se perdeu nos últimos anos. Nada como um diretor que parece se divertir junto a sua criação.