|Crítica| 'Emilia Pérez' (2025) - Dir. Jacques Audiard
Crítica por Victor Russo.
![]() |
'Emilia Pérez' / Paris Filmes
|
Jacques Audiard tem dificuldade em lidar com suas muitas ideias estilísticas e narrativas, e Emilia Pérez vira um apanhado de esquetes sem conexão ou desenvolvimento
Para o bem ou para mal, é inegável que Jacques Audiard está disposto a defender sua visão criativa a todo custo, não só nas entrevistas polêmicas e questionáveis, mas, sobretudo, pelo que se apresenta em tela. Emilia Pérez não é um filme que se vê todo dia, há uma vontade genuína de seu criador que transpira em tela na busca por criar algo diferente, ou até único. Em algum sentido, o francês atinge esse desejo, com uma obra dificilmente comparável a outro filme contemporâneo (assemelha-se a Megalópolis nesse sentido, apesar de diferentes em estilo e resultado). Em todo caso e por mais que o longa seja recheado de problemas, há um sentimento mais vibrante ao presenciá-lo do que com a maioria de obras enlatadas e padronizadas que Hollywood e o cinema “de festivais” fazem aos montes. É verdade também que se Emilia Pérez tivesse a mão de um produtor pesando cada escolha autoral, talvez ele encontrasse uma unidade com menos personalidade, mas mais sólida narrativamente. Isso porque a liberdade aqui se transforma em aleatoriedade, um apanhado de esquetes e estilos que não se conversam, mas são atirados de qualquer jeito em tela, sem resolver ou desenvolver nada. É um filme extremamente desconjuntado e que mal tem duas ou três boas cenas.
É verdade que, aceitando o estranhismo inicial, dos cantos sussurrados a partir dos pensamentos de Rita (Zoe Saldaña), há o que se valorizar nos primeiros minutos, quando o filme tem algum fio narrativo seguindo a advogada. É também na música principal, El Mal, que Saldaña consegue imprimir a energia necessária e dá sentido a esse jeito de cantar, em uma encenação bem articulada pelo espaço e com a luz como um holofote imaginário. Sempre que ela ganha o protagonismo do filme, algo que é sugerido inicialmente, antes de um desaparecimento repentino, Emilia Pérez funciona melhor. O problema é que junto com as idas e vindas de Rita na narrativa, como se fosse convidada e desconvidada a participar da festa, o longa não consegue desenvolver absolutamente nada que propõe, as coisas vão sendo jogadas, somem, surgem em momentos oportunos e desaparecem de novo. Apesar de assumir o protagonismo, Emilia (Karla Sofia Gascón) nunca se mostra totalmente vulnerável ao espectador, a conexão se dificulta em meio às muitas motivações (os filhos, a namorada, a ex-esposa, a ONG), que nunca permitem a nós conhecê-la realmente, e menos ainda sentir a ligação dela com as demais personagens. Menos ainda compreendemos Jessi (Selena Gomez), que do nada ganha o foco por seu relacionamento secreto, mas pouco vemos dela, que antes queria retornar aos Estados Unidos e agora quer fazer parte de um cartel e se casar com Gustavo (Edgar Ramírez). Isso sem contar Epifania (Adriana Paz), única personagem relevante interpretada realmente por uma mexicana, que mal podemos sentir o seu envolvimento com Emilia, e o filme parece nos obrigar a se compadecer com sua dor ao final, sendo que ela não deve ter mais de duas cenas rápidas em todo o longa.
Só que, da mesma forma que o filme é extremamente corrido e mal consegue organizar suas ideias para o desenvolvimento da história e das personagens, Audiard trata o estilo do filme não como uma unidade, mas como essa sucessão de esquetes, cada uma fotografada de uma maneira (as únicas que combinam são as que, como um palco de teatro, apagam todas as luzes menos aquela que foca nas personagens em cena), em músicas que entram abruptamente, seja com tela dividida e cores diferentes, enquanto personagens conversam sem qualquer conexão geográfica, seja com um karaokê aleatório etc. Sem dominar o melodrama novelesco e a encenação de números musicais, Audiard parece tentar conectar tudo por meio de um trato maneirista da imagem. Porém, confunde o exagero que transborda essa tendência com uma muleta, criando essa noção desinterligada de estilo, quase soando como se houvessem muitos diretores dentro do mesmo filme (não chega a tanto). É bem verdade que o longa ainda mantém um ritmo com algum interesse para o espectador mais engajado, mas essa montagem apressada e a falta de coesão nos deixa mais intrigados pelos acontecimentos incessantes do que por qualquer sensação com aquele cinema ou relação com as personagens. É uma bagunça completa, com personalidade, mas indigesta.