|Crítica| 'Emancipation' (2022) - Dir. Antoine Fuqua
Crítica por Victor Russo.
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'Emancipation' / AppleTV+
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Antoine Fuqua espetaculariza o sofrimento, deslocando o interesse do fato histórico para o virtuosismo estético vazio
"Emancipation” é definitivamente um Oscar bait em todos os seus sentidos. E um daqueles que só não deve surtir efeito por conta do tapa de Will Smith na última premiação e o seu afastamento da Academia. Polêmicas à parte, o longa se coloca desde o início na caixinha do “filme de atuação”, em que se centra na figura de um personagem com o objetivo de destacar uma “atuação poderosa” e expansiva de seu ator principal. Além disso, também tem um interesse pelo virtuosismo estético, aquele sem nenhum receio de chamar atenção para si, a fim de aparecer em categorias técnicas. Nesse caso, sobretudo em fotografia, com o nome de Robert Richardson, um dos maiores diretores de fotografia da história.
Entretanto, na ânsia de se encaixar no filme bonito com atuação forte e tema relevante, o longa acaba por fragilizar tudo isso, em um discurso que se torna ambíguo ou contraditório a partir do momento em que a estética não conversa com a história e o tema central. Tudo bem, há até como defender a dessaturação das cores, tornando tudo quase preto e branco de tão sem vida, proposta por Fuqua e executada por Richardson, pelo discurso, bastante batido, de que a escravidão é um momento “que não merece ser retratado com cores”, o que Steven Spielberg já tinha tornado famoso com “A Lista de Schindler” e tantos filmes fizeram antes e depois.
A questão é que o virtuosismo da fotografia de “Emancipation” vai muito além das cores utilizadas. Fuqua demonstra um grande interesse em tornar todas aquelas imagens vistosas também pelos movimentos de câmera expressivos, como os travellings e as longas aéreas, os planos contemplativos da natureza ou a manipulação do tempo pelos vários slow-motion. Porém, ao fazer isso, o cineasta desloca o interesse do fato histórico e dos desdobramentos da escravidão na vida daquele personagem e na história dos Estados Unidos (na época e até os dias de hoje) para a estética pela estética.
Apesar de ter o coração no lugar certo e saber da importância da história que está contando, ao tornar a estética mais importante do que os acontecimentos, Fuqua acaba por criar um discurso bastante contraditório, fazendo não só a forma engolir o conteúdo, mas principalmente criando um novo discurso a partir do momento que filma cada um daqueles acontecimentos.
Então, quando o cineasta filma escravos sendo assassinados em uma super câmera lenta, ele acaba por criar entretenimento a partir disso, uma espetacularização pela busca de uma estética destacada e extremamente perceptível. É quase como se o filme se divertisse com aquelas mortes e quisesse nos fazer apreciá-las da forma mais lenta e detalhada possível. A busca aqui, claro, era pelo choque desses acontecimentos, o que já seria questionável por si só, mas acaba sendo ainda pior quando percebemos que o sofrimento é muito mais um dispositivo que o filme encontra para criar imagens “bonitas”, o que, na prática, é só o longa traindo o próprio discurso ao criar uma apreciação imagética naqueles eventos terríveis.
Dessa forma, “Emancipation” é mais problemático do que apenas um Oscar bait tradicional. Isso porque, enquanto esses filmes são geralmente inofensivos ao criar um discurso óbvio e raso sobre um tema sério e relevante, dando ainda mais importância para a atuação principal, o novo longa de Fuqua deixa até Will Smith para segundo plano em certo sentido, ao criar o seu thriller de perseguição nos Estados Unidos do século XIX e contradizer a sua crítica à escravidão e ao racismo a partir do momento em que o fato histórico ou ficcionalizado se torna uma mera desculpa para fazer do sofrimento um entretenimento esteticamente virtuoso.