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|Crítica| 'Elvis' (2022) - Dir. Baz Luhrmann

|Crítica| 'Elvis' (2022) - Dir. Baz Luhrmann

Crítica por Victor Russo.

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'Elvis' / Warner Bros. Pictures

 

Título Original: Elvis (EUA)
Ano: 2022
Diretor: Baz Luhrmann
Elenco : Austin Butler, Tom Hanks, Richard Roxburgh, Helen Thomson e Kelvin Harrison Jr.
Duração: 159 min.
Nota: 2,0/5,0

 

Fetichismo de Baz Luhrmann diminui Elvis Presley a uma figura “menor” e quase apaga a ótima construção de Austin Butler para o personagem

Poucas frases são mais comuns, sobretudo relacionadas a filmes indicados ao Oscar, do que “o filme é ruim, mas o ator está muito bem”. Isso se dá por uma “educação” que nós, como público, sempre tivémos, reforçada por um star system que, em parte, se mantém desde os anos 1930 até hoje, e também por uma grande parcela da própria crítica, que cada vez mais ignora o filme como unidade e prefere analisar a obra dividindo-a em partes, como se fosse uma cartilha de avaliação.

Porém, por mais que na grande maioria das obras essa frase seja questionável, já que uma interpretação que sequestra a obra para si e apaga o restante na maioria das vezes é uma construção ruim justamente por romper com a obra como unidade, no caso de “Elvis”, ela começa a fazer sentido. Isso porque, aqui, quem tenta sequestrar a obra para si é a direção exibicionista de Baz Luhrmann, obrigando Austin Butler a se contorcer (no sentido metafórico) para dar vida a uma figura icônica, mas sem nunca parecer uma cópia de Elvis Presley, como é bastante comum em cinebiografias. Apesar de construções distintas para personagens diferentes, fica difícil não dizer que Butler está mais para Taron Egerton (“Rocketman”) do que para a atuação desastrosa de Rami Malek (“Bohemian Rhapsody”).

Desde o primeiro segundo “Elvis” se vende como uma cinebiografia diferente, em um gênero que intoxica o mercado com uma mesma estrutura repetida (passar por eventos da vida do personagem com foco na atuação para concorrer ao Oscar em uma jornada de ascensão, deslumbramento e queda). Mas, na prática, o filme tem exatamente todos os elementos estruturais de uma cinebiografia “clássica”, com a única diferença que a assinatura de seu diretor se faz presente (até demais, a ponto de tornar o restante da obra secundário).

É bem verdade que Baz até joga com alguns poucos elementos menos comuns em cinebiografias, a começar pelo ponto de vista da narração. Como já havia feito em “O Grande Gastby”, o narrador (tanto em ponto de vista quanto com voice over) é um personagem secundário (apesar de relevante), uma figura próxima do personagem-título que constrói a narrativa a partir da sua relação com essa figura quase mística (em “O Grande Gatsby” havia deslumbramento, aqui há uma mistura de pequenez moral disfarçada pela arrogância e ambição em busca de absolvição). 

Entretanto, por mais que tal escolha seja interessante para vermos o protagonista por uma  outra ótica que não a dele mesmo, na prática ela serve apenas como exposição barata e uma forma de trafegar por eventos importantes da vida do personagem-título sem dar tanta pinta de que o filme não está se aprofundando em nada. Mais do que isso, a mudança de foco da narração serve como uma trapaça de Baz, uma forma dele tirar um pouco o foco do Elvis e transferi-lo para suas escolhas criativas, sobretudo a montagem dinâmica e os movimentos de câmera cheios de expressividade e excessos vazios. Ou seja, é por meio dessa simples troca de narração que o diretor cria um jogo para enganar o espectador, fazendo de Elvis o personagem principal da história, mas não o elemento central de adoração da obra, já que isso é deslocado para a estética do longa.

Isso tudo é sentido sobretudo na primeira hora do longa, quando o diretor não se contém e faz da câmera sempre em movimento e dos cortes frenéticos uma desculpa para avançar muitos anos na vida do protagonista sem se aprofundar em nenhum evento ou relação e tira boa parte do peso de sua figura. É bem verdade que é até interessante o foco do longa na comoção jovem no cantor, ao mesmo tempo que isso incomodava uma política de construção conservador e religiosa da sociedade americana, sobretudo nos estados mais sulistas e nos órgãos de governo, representado aqui pelo FBI. Mas até isso, como tudo no longa, rapidamente se torna secundário. Assim, essa primeira hora vira um show de exibicionismo com uma câmera que faz áreas rápidas (com auxílio de computação gráfica) por Las Vegas, usa mapas e desenhos para fazer transições, ou uma montagem que fica cortando freneticamente entre diferentes momentos no tempo para gerar uma sensação de velocidade rítmica.

Todavia, Baz esquece de duas coisas fundamentais nesses quase 60 minutos: Elvis e suas apresentações. Com nenhum plano durando mais de três segundos em Butler ou em qualquer outro lugar ou figura (sim, é isso mesmo que você leu!) e com apresentações entrecortadas que juntas não devem chegar a 30 segundos, o cineasta deixa claro que está mais preocupado com a montagem dinâmica do que com personagens ou a própria história em si. Elvis, então, passa por uma experiência traumática em um programa de TV quando tem de mudar seu estilo, mas a gente nunca vê isso, o que só é narrado pelo personagem e seu empresário maléfico (Tom Hanks). O protagonista não pode assumir seu namoro em público, e, sem conhecermos a namorada, ficamos restritos a um plano de dois segundos dela desesperada recebendo a notícia. Esses dois exemplos são emblemáticos para representar o que é essa quase uma hora incessante de filme que nada constrói e poucos nos faz sentir por personagens ou eventos além de um diretor que faz questão de chamar atenção para sua montagem rápida ou movimentos de câmera grandiosos. Com isso, a partir do momento que ele não nos mostra ou faz sentir os acontecimentos, Baz se restringe a colocar os personagens para contar o que aconteceu ou sentiu.

Por isso, não deixa de ser frustrante perceber que os melhores momentos da obra estão no segundo ato (dos quatro existentes no longa), justamente quando “Elvis” desacelera um pouco e se aceita como uma cinebiografia convencional, daquelas sem muita personalidade feitas aos montes por Hollywood todos os anos. Isso uma vez que são os únicos momentos de respiro da obra, em que Baz abaixa um pouco seu ego e deixa o personagem-título virar o foco do longa. Ao mesmo tempo, são os poucos momentos em que o filme desenvolve alguma relação de forma mais aprofundada (como quando Elvis conhece sua futura esposa) e deixa de ser um filme-Wikipédia que só passeia por eventos importantes da vida do astro. Mas isso dura pouco e logo o diretor retoma a obra para si usando a figura de Hanks com voice overs intimistas, que nada mais são do que uma desculpa para estilizar tudo sem mostrar realmente nada.

E é nesse sentido que meu pensamento se volta para as cinebiografias de Martin Scorsese, gênero pelo qual o diretor recebe muito menos crédito do que merece. Filmes como “O Lobo de Wall Street”, “O Aviador” e “Touro Indomável” não deixam nem por um segundo de manter a figura biografada em primeiro plano e explorar sua persona e a interpretação de seu protagonista. Ao mesmo tempo, Scorsese não abre mão de seu controle absoluto com todas as marcas que são sua assinatura durante a carreira. É quase como se, em Elvis, Baz mirasse nas cinebiografias de Scorsese, mas o seu ego não permitisse essa relevância mútua que cria uma harmonia na obra. O desbalanço quase sempre pende para o diretor mostrando o que é capaz de fazer.

Com isso, em meio a muito exibicionismo de Baz, vale um destaque para o sobrevivente: Austin Butler. Em meio a um filme caótico e cheio de “passadas de pano” (o longa pouco explora a relação de Elvis com as drogas, semelhante ao que “Bohemian Rhapsody” fez para preservar uma imagem “pura” de Freddie Mercury, e faz vista grossa para outras questões, como o fato de Elvis ter começado a namorar sua esposa quando ele tinha 24 e ela 14 anos, fazendo uso aqui de atores com idades semelhantes e só tocando na diferença de idade quando ele tinha quase 40 anos), Butler consegue ser energizante em suas aparições no palco, mas bastante calmo fora dele, criando a sua própria versão do astro de maneira impecável (ainda que prejudicado pela montagem que o tira da mise en scène constantemente) e deixando para a maquiagem e o figurino essa preocupação mais fiel com o Elvis Presley. É quase como se o ator tivesse lutando para ser notado durante as quase três horas de filme, mas, ao contrário do cineasta, não faz isso se exibindo, mas, sim, demonstrando uma verdade e um ser complexo que é incapaz de demonstrar tudo que sente. É a sutileza que falta para todo o restante da obra.

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