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|Crítica| 'Ela Disse' (2022) - Dir. Maria Schrader

|Crítica| 'Ela Disse' (2022) - Dir. Maria Schrader

Crítica por Victor Russo.

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'Ela Disse' / Universal Pictures Brasil

 

Título Original: She Said (EUA)
Ano: 2022
Diretora: Maria Schrader
Elenco : Zoe Kazan, Carey Mulligan, Patricia Clarkson, Andre Braugher, Jennifer Ehle e Samantha Morton.
Duração: 129 min.
Nota: 3,5/5,0
 

“Ela Disse” desespetaculariza o caso real ao criar um interesse no relato e não em encenar o ocorrido

Apesar de uma série de filmes interessantes sobre casos super relevantes, são poucas as obras sobre o jornalismo capazes de serem marcantes como “Todos Os Homens do Presidente”, o longa que serve como modelo ao falar de jornalismo investigativo no cinema. Não que filmes como “Spotlight” sejam esquecíveis, muito pelo contrário, mas esse tipo de produção sempre demonstra um interesse muito maior no que está contando do que no como vai contar. Não à toa, dificilmente lembramos quem são os diretores desse tipo de longa.

No caso de “Todos os Homens do Presidente”, Alan J. Pakula tem um claro interesse pelo caso Watergate, porém, o que torna a sua obra tão marcante é justamente como envolve os fatos reais em um thriller opressivo e angustiante, fazendo o público se sentir na pele dos jornalistas, da claustrofobia da redação do Washington Post, passando pelas portas fechadas na cara, até a temível garagem escura onde o “garganta profunda” revelava informações secretas pela metade.

Em certo sentido, Maria Schrader até pende a balança para a narração do fato, a matéria do New York Post, das jornalistas Jodi Kantor e Megan Twohey, que escancarou os casos de abuso sexual, estupro, entre muitos outros crimes, do magnata Harvey Weinstein, além de mostrar como Hollywood é uma indústria que cria uma rede que normaliza e protege práticas como essas, impossibilitando as vítimas de exporem qualquer caso semelhante. 

Isso fica claro em como a montagem apressa a apresentação de Jodi e Megan, revelando a primeira como a mais jovem que teve tal matéria nas mãos, enquanto a segunda como alguém mais experiente e acostumada, dentro do possível, a lidar com casos parecidos, como o que abre o longa sobre as investigações contra Donald Trump e todos os abusos do ex-presidente, até então em sua primeira campanha, relatados por diversas mulheres. Para isso, o filme até se utiliza de passagens do livro no qual o longa se baseia, jogando frases soltas e mostrando em poucos minutos quem são aquelas mulheres, tanto profissionalmente, quanto em suas vidas pessoais.

Mas a obra realmente engata e começa a demonstrar uma visão mais particular de sua diretora quando elas se unem e começam a investigar o caso Harvey Weinstein. É justamente a partir desse momento que o filme passa a integrar o tema central a sua encenação. Quando a investigação começa, Schrader contradiz aquilo que parece ser uma das “regras” do cinema: “não fale, mostre”. Justamente por se tratar de uma história sobre a busca pela verdade por essas jornalistas, e, sobretudo, sobre acontecimentos terríveis com as mulheres que foram vítimas de Weinstein, a diretora vai no sentido contrário, o de rejeitar uma encenação dos acontecimentos.

Com isso, o que muitos diretores transformariam em longos flashbacks capazes de chocar o público pelo visual, Schrader retrata em algo esteticamente simples, mas muito mais poderoso. O mostrar dá lugar aos relatos das vítimas, o interesse se desloca do ver para o ouvir o que elas têm a dizer. Ao fazer das entrevistas o foco da investigação, e do plano e contraplano a base da mise en scene, a cineasta amplifica a voz daquelas mulheres, justamente voltando a atenção para aquilo que o mundo e aquela indústria sempre tentaram silenciar.

Dessa forma, Schrader desespetaculariza o fato, claro que não de uma forma tão crua, já que a trilha sonora e as pausas dramáticas para momentos decisivos ainda estão presentes, e, assim, revela todo o seu interesse pelo caso real e, principalmente, seu amor pelo jornalismo, a partir do momento que faz do ato de ouvir relatos a base de sua construção estética.

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