|Crítica| 'Dog - A Aventura de Uma Vida' (2022) - Dir. Channing Tatum & Reid Carolin
Crítica por Victor Russo.
'Dog - A Aventura de Uma Vida' / Diamond Films |
Partindo de um lugar seguro, Channing Tatum demonstra habilidade ao estrear na direção reconhecendo o poder da imagem para construir a relação central
Historicamente, o cinema explora alguns subgêneros que parecem nunca ficarem velhos demais para arrecadar uns milhões para os cofres dos estúdios. Por isso, é normal que a cada dois ou três anos apareça um novo “filme de cachorro” com repercussão. Por ser um filme geralmente mais barato e o cachorro ser o animal mais popular, “o amigo do homem”, essas obras sempre atraem boa parte do público que deseja uma experiência mais leve e divertida (e, quase sempre, manipulativa).
Então, não deixa de ser curioso, mas também compreensível, que Tatum estreie na direção, ao lado do também estreante (mas parceiro de longa data como produtor dos filmes de Tatum) Reid Carolin, justamente com um filme tão convencional como esse. Há atores que fazem essa transição a fim de buscar uma experiência diferente daquilo que estavam acostumados a interpretar. No caso de Tatum, que também é o protagonista do longa, a escolha é por partir de um lugar muito cômodo em relação à sua carreira, quase como se o filme funcionasse como um primeiro aprendizado na nova função.
Isso fica claro se observamos o personagem de Tatum e suas escolhas de atuação. O ex-militar de coração bom, apesar de algumas atitudes questionáveis, com problemas financeiros, que se mete em algumas situações inusitadas (algumas envolvendo sexo) e parece não levar muita coisa a sério, criando o humor a partir dessa caracterização mais despojada do personagem. Não só não há nada de muito novo em relação a outros personagens que Tatum já interpretou, como o fato de Carolin ser o produtor dos dois “Magic Mike” também não é coincidência.
Entretanto, apesar de partir de um lugar mais comum, os dois cineastas estreantes se mostram capazes de propor algo interessante, justamente por entenderem que a essência do cinema não está em premissas, temas ou histórias, mas na capacidade de criar emoções a partir de imagens e sons.
Não à toa, os momentos que menos funcionam em “Dog”, são aqueles em que o longa para para dar uma lição de moral ou abordar um tema “mais relevante”. Tudo soa meio didático e protocolar demais nessas cenas, sobretudo nos ensinamentos do ex-militar dono do cachorro irmão de Lulu e quando o protagonista não consegue ficar com ninguém no bar porque “ele não se encaixa tanto no mundo atual”.
Por outro lado, “Dog” encontra sua força ao romper um pouco essa lógica do “fofo, engraçado e sentimental” dos filmes de cachorro (ainda que tenha isso em grande medida), para criar uma obra que parece se reinventar e encontrar rumos inesperados por diversos momentos. Destaque para a fuga de Lulu para uma casa na floresta que termina com um encarceramento, em que os diretores fazem um uso inteligente de alguns elementos do cinema de horror.
E, mesmo que nós já saibamos qual será o final, isso se dá muito mais por uma expectativa que desejamos encontrar do que por uma previsibilidade covarde ou algo do tipo. É quase como se esse fosse o único final possível para filmes desse subgênero tão confortável e reconfortante.
Porém, a essência do longa está mais em ser esse road movie que aproxima Briggs e Lulu por meio dessas situações. Só que, se a grande maioria das obras com cachorro são extremamente manipulativas e apelam para o uso de close e primeiro plano para vermos uma reação engraçada ou fofa do pet, Tatum e Carolin se mostram extremamente capazes de criar essa relação de forma mais honesta e poderosa.
Isso porque conseguem lidar com as duas figuras centrais quase sempre no mesmo plano, o que vai se intensificando a partir do momento em que Briggs e Lulu começam a criar esse laço. Fica claro o poder dessa união quando a montagem não precisa se fazer presente e podemos observar sem interferência os olhares se cruzando ou um abraço.
Além disso, vale um destaque para como a direção não subestima a inteligência do público, como 99% desses filmes fariam sob a desculpa de “ser um filme família”. São vários os elementos apresentados durante a trama, como o trauma de Lulu dos tiros, o comer na mão de quem confia ou abraçar quem gosta, que quando retornam na trama como recompensa ao espectador, não há a necessidade de explicar novamente ou relembrar aquilo. Tudo é resolvido mais uma vez por meio da imagem, como o cinema deve ser.