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|Crítica| 'Dias Perfeitos' (2024) - Dir. Wim Wenders

|Crítica| 'Dias Perfeitos' (2024) - Dir. Wim Wenders

Crítica por Victor Russo.

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'Dias Perfeitos' / O2 Play & MUBI

 

Título Original: Perfect Days (Japão)
Ano: 2024
Diretor: Wim Wenders
Elenco : Koji Yakusho, Arisa Nakano, Aoi Yamada, Tokio Emoto e Yumi Asou.
Duração: 123 min.
Nota: 3,5/5,0
 

Wim Wenders não propõe um debate mais profundo sobre o sistema dominante, e volta-se para as consequências dessa sociedade (individualidade, solidão e repetição) buscando uma beleza nas pequenas coisas dentro dessa vida possível

O sol surge no horizonte antecipando o novo dia, enquanto a cidade ainda se apresenta vazia. Hirayama (Koji Yakusho), filmado em close-up e com a luz solar alaranjada em seu rosto, ri ao som de Feelin’ Good, de Nina Simone, até que lágrimas começam a surgir no seu rosto sem apagar o sorriso. Tal contradição que fecha o filme é a representação máxima da vida desse protagonista silencioso que escolheu viver na simplicidade dentro das possibilidades que o sistema maior permite. Wenders não parece tão preocupado em debater a precarização do trabalhador, sobretudo visto que o personagem (se levarmos em consideração a idade real de Yakusho) beira os 70 anos e está limpando banheiros públicos. A aparição da sua irmã em um carro de luxo reforça que a simplicidade foi muito mais uma escolha do que uma necessidade. Ainda assim, o reflexo desse sistema dominante aparece no protagonista, na repetição da rotina que torna todos os dias iguais ou na solidão de um capitalismo que nos reforça quase um dever de individualidade. Mesmo o fato de ter em sua coleção apenas músicas estadunidenses e britânicas reforçam essa influência de uma visão ocidental que não o molda, mas influencia indiretamente o viver daquele homem.

Hirayama parece conformado com a situação, é afetado pela solidão melancólica (sendo essa uma opção, mas que não exclui o prazer do homem em se relacionar, ainda que brevemente, com outras pessoas e se divertir no processo), mas prefere enxergar a beleza dentro desse mundo, não se rendendo completamente a ele, mantendo uma visão que vem consigo de uma geração anterior, desde o discurso mais óbvio (rejeição quase completa da tecnologia contemporânea), até a própria obstinação em seguir aquela rotina de trabalho quase à risca, como um dever maior que deve completar. O confronto com as gerações mais jovens vem para abalar essa dedicação, fazendo o protagonista perder o controle dos seus passos apenas quando a sua sobrinha (Arisa Nakano) fica uns dois dias na sua casa ou quando o companheiro de trabalho (Tokio Emoto) se demite repentinamente.

Entretanto, é também esse contato com a juventude que quase sempre enfraquece o discurso de Dias Perfeitos. Ainda que haja cenas bonitas entre ele e a sobrinha, que busca uma conciliação maior com o tio do que com a vida que leva, são essas cenas em que a rotina de Hirayama deixa de ser o foco e tudo se volta para o conflito geracional que Wenders cai para aquelas obviedades saudosistas, de retratar a menina filmando o tio ou falando do Spotify, que ele não conhece, ou o colega de trabalho não se dedicando no trabalho porque não vê aquilo como importante, ao mesmo tempo que vive sem dinheiro, sendo esse dedicado a se divertir. 

Por sorte, essas relações são mais breves e o filme sempre retorna rapidamente ao seu estágio de não-diálogos, em que até mesmo a exposição é feita pela observação. É nessa vida como um processo metódico que Wenders encontra uma verdadeira beleza, fazendo de Hirayama parte do mundo, mas moldando essa realidade ao seu próprio mundo também. O capitalismo aqui existe apenas porque reconhecemos suas cicatrizes, mas o personagem consegue driblá-lo, dentro do possível, a fim de encontrar na simplicidade rotineira, seja na conexão com a natureza, com a arte (os livros que lê, as fotos que tira, as música que escuta), no jantar sempre no mesmo lugar, assim como a casa de banho que frequenta e o passeio de bicicleta pela cidade, o seu lugar de conforto dentro do mundo, fazendo da repetição não um peso, mas uma tranquilidade de estar vivo, e isso basta. O olhar de Wenders, aos 78 anos de idade, pode soar ingênuo e piegas, o que no fundo até é, mas encontra na brilhante atuação de Yakusho esse lugar de conforto para os últimos anos de vida, sendo ele um cineasta que só quer continuar trabalhando no tempo que lhe falta (espero que seja muito), dia após dia.

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