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|Crítica| 'Conduzindo Madeleine' (2024) - Dir. Christian Carion

|Crítica| 'Conduzindo Madeleine' (2024) - Dir. Christian Carion

Crítica por Raissa Ferreira.

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'Conduzindo Madeleine' / California Filmes

 

Título Original: Une Belle Course (França)
Ano: 2024
Diretor: Christian Carion
Elenco : Line Renaud, Dany Boon, Alice Isaaz, Gwendoline Hamon e Hadriel Houre.
Duração: 90 min.
Nota: 2,5/5,0

 

Christian Carion faz filme água com açúcar em reflexão sobre a vida logo antes de morrer, escondendo algumas boas histórias mal trabalhadas pelo caminho

Conduzindo Madeleine apresenta seu motorista, Charles (Dany Boon) como se sua vida e suas questões fossem fundamentais para o desenrolar da narrativa. Ao ponto em que ele encontra a senhora de 92 anos que levará de sua casa antiga ao novo lar, no asilo, a longa corrida de táxi significa alguma vantagem financeira muito bem-vinda ao momento de vida desse homem, que não compreendemos ao certo. É bastante óbvio que esse contato entre ele e Madeleine (Line Renaud) resultará em reflexões e mudanças em suas vidas, portanto, algumas pistas são deixadas de que a personalidade e o histórico desses personagens será não apenas importante durante o trajeto, como também serão usados de forma mais aprofundada. Ocorre que logo nos primeiros momentos em que a mulher começa a se abrir com o taxista, Christian Carion opta pelo recurso do flashback para remontar seu passado, uma romantização de seu primeiro encontro amoroso, formada por imagens bastante genéricas em que nenhum rosto ou particularidades são exploradas, a impressão é que Madeleine pouco lembra-se visualmente dessa parte de sua vida, mas carrega em si o gosto do beijo, os cheiros e emoções muito vivos. Revelando uma das inconsistências da obra, isso muda drasticamente quando seu desabafo avança para outro ponto das lembranças, então a jovem Madeleine ganha rosto, voz, personalidade, mãe, profissão, uma porção de coisas que levam a crer que uma narrativa paralela será traçada no passado para encontrar esse futuro, da velha senhora sendo conduzida a seu destino final, em que passará seus últimos dias de vida. Porém, todo e qualquer aceno nesse filme de explorar alguma dessas ideias é apenas um desvio, e Carion só joga um tanto de opções para no fim não ir além do drama água com açúcar que se apoia nos maiores clichês para provocar emoções.

Madeleine carrega em suas memórias histórias muito interessantes, provavelmente o maior arco que parece deslocado aqui, meio sem sentido com a proposta geral, e que possui o melhor potencial, é sua vingança com o marido abusador. Apenas de ler ou tomar conhecimento do fato que uma mulher ateou fogo no pênis de seu marido que a violentava, já cria-se uma curiosidade imediata pela trama. É talvez o ponto central da vida de Madeleine ter tomado tal atitude e ter se tornado um ícone feminista após ser julgada pelo crime e condenada a 25 anos de prisão, porém, para Conduzindo Madeleine isso é apenas um recorte em flashbacks que parece até uma ideia alienigena ao restante. A cena em que a jovem, no passado, levanta um maçarico com as chamas enormes sendo direcionadas rapidamente ao meio das pernas do marido inconsciente no chão, faz um aceno brutal tão diferentemente do restante que é quase como se o espectador tivesse mudando de canal ou caído em outra realidade. A pior parte é que essa diferença de tom se dá porque essa cena e toda a ideia dessa micro narrativa inserida no meio do filme são muito melhores, mais corajosas e mais interessantes do que qualquer outra coisa que ele propõe. 

Não demora muito é claro para que os clichês retornem e logo no tribunal, repleto de homens, já ouvimos as coisas mais batidas possíveis sobre uma sociedade patriarcal dos anos 50. O apelo retorna então a tudo de mais óbvio apoiado puramente em um texto raso: homens oprimem mulheres, elas sofrem, ninguém faz nada, a sociedade é ruim e machista. E se tem algo que ouvimos repetidamente é Madeleine dizer que os anos 50 eram complicados, algo como um oposto do “no meu tempo que era bom”, já que para essa mulher, em sua condição de gênero, a existência em outra década era apenas terrível, dada algumas poucas exceções que ela mesma pontua, uma delas sendo o namorado que a largou grávida e voltou para os Estados Unidos, um partidão repetidamente romantizado como o único amor e o destino final de sua alma, aparentemente.

Todo esse arco do crime e punição é fundamental pois constitui quem é essa personagem e como sua vida foi importante e cheia de questões marcantes, mas quando ele se encerra, toda a jornada do filho que vai como fotógrafo para a guerra e morre - outro aceno curioso e nunca muito explorado -, já parece se tornar algo muito desinteressante para o diretor que começa a deixar de lado os flashbacks e encurta as falas da protagonista sobre o assunto. São recursos e ideias que ficam pelo caminho, nessa longa corrida de táxi que para em diversos pontos à medida que a relação entre Charles e sua cliente se estreita. Por exemplo, os problemas do homem ficam inexplorados, são pincelados com alguma negligência nas transições entre os momentos mais emotivos de Madeleine, como se para Carion valesse mais a pena apelar para as emoções colocando a senhora para chorar, reclamar sobre as injustiças sofridas ou se apegar a uma memória, puxando assim o personagem de Charles para esse campo dramático como um apoio empático, sem nunca permitir que o homem se desenvolva nem sozinho, nem a partir de seu contato com a mulher. Da mesma forma, Madeleine pouco consegue elaborar sobre si mesma além de uma fixação por um romance idealizado do pós-guerra, deixando alguns sentimentos muito rasos, se valendo de tudo mais apelativo apenas como gancho e não como estrutura da personagem. 

Ainda assim, existe algo de muito bonito quando o longa simplesmente permite que essas duas pessoas se conectem puramente por uma afinidade humana, quando caminham pelas ruas e a mulher segura no braço do taxista, quando ele se prontifica a levá-la para jantar ou quando tomam um sorvete juntos. São cenas simples que buscam na gentileza de Charles um afago para esse fim de vida de uma Madeleine tão sozinha, tão sem vontade de chegar ao seu destino, uma pena que isso ocorra tão pouco. É complicado dizer que o texto de Cyril Gely junto à condução de Christian Carion parecem pouco compreender o que existe de mais rico na existência de uma complexa mulher de 92 anos, porque seu personagem masculino é tão negligenciado quanto, a impressão que realmente fica é uma necessidade de arrancar lágrimas dos espectadores a todo custo, usando abusos, violências, mortes e abandonos sem muito impacto, nem profundidade, para construir uma história mediocremente triste de fundo, com uma redenção amigável ao final, se escorando em clichês para lubrificar a emoção. É difícil realmente não sentir nada ao ver uma senhorinha como Line Renaud sendo tão amável e tratada com tanta gentileza por um homem tão sério e rabugento, no entanto até isso poderia ser melhor trabalhado e usado. Falta uma melhor condução que saiba aproveitar o que se tem.


 

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