|Crítica| 'Conclave' (2025) - Dir. Edward Berger
Crítica por Victor Russo.
![]() |
'Conclave' / Diamond Films
|
O embate entre a mudança e a manutenção da tradição ganha uma contradição nas imagens e no conflito entre o thriller elegante de grandes planos sobre os conflitos de um homem
Apesar de bastante diferentes em premissa, temática e escolhas de composição das imagens, Conclave em muito se parece Oppenheimer na ideia de lidar com um tipo de cinema geralmente bastante padronizado para o “drama clássico” que o Oscar tanto valoriza, mas transformá-lo em um thriller com contornos épicos e cheio de reviravoltas, enquanto, no fim, tudo se direciona para a individualização do problema em um único personagem. O mundo existe, carrega contradições e o resultado da trama é de grande proporção (no filme de Christopher Nolan para a humanidade, no de Edward Berger, no mínimo, para o futuro da Igreja Católica), só que tudo isso mira em uma única pessoa e suas dúvidas, que são mais importantes do que os acontecimentos em si. Entretanto, se Nolan segue as suas pirotecnias narrativas tradicionais, com flashbacks e flashforwards, um embaralhamento do tempo com o único fim de criar reviravoltas que se dão muito mais valor do que surtem efeitos de mudar a trama com grande impacto, Berger caminha linearmente com elegância, suavizando esses grandes plot twists em um ar de inevitabilidade. Podemos não saber qual será a reviravolta a seguir, mas sabemos que ela virá, porque o filme quase implora por isso. O caráter épico se dá não mais então por conta de explosões ou uma larga porção de tempo, mas pelo trabalho da imagem e do som, com uma trilha sonora que constantemente dá o tom de suspense, enquanto o cardeal Lawrence (Ralph Fiennes) é confrontando pelos grandes espaços e pela multidão de rostos de seus similares o encarando. Mais do que belas imagens (muitas vezes estáticas), a fotografia e a montagem combinam essa pompa da igreja, que remete à tradição, a um jogo introspectivo do dito e não dito, seja às claras, em cenas de votação, do refeitório ou chegada daqueles clérigos, a manutenção de uma artificialidade bonita e mentirosa, ou às escondidas, quando prevalece o chiaroscuro, com personagens posicionados no plano para revelar esse suspense das decisões políticas feitas à portas fechadas ou no alto de escadas vazias, só que ainda preservando uma certa condição daqueles personagens de alto prestígio na instituição, impossibilitando que desçam do pedestal e sejam completamente verdadeiros.
Então, se Nolan tudo nos explica mostrando por meio de imagens colocadas dentro de seu jogo de manipulação e longos diálogos, enaltecendo a sua posição de criador evidente daquela obra, Berger até se destaca ao compor esses quadros que parecem pinturas altamente calculadas, mas trabalha muito mais com uma investigação que nos esconde informações, assim como muitas estão também fora do alcance do protagonista. Somos colocados apenas para descobrir o que ele sabe, e, às vezes, nem isso, ou essas informações são apresentadas ao público um tempo depois, justamente abrindo a possibilidade para duvidarmos se ele não nos está manipulando, enquanto se usa de seus pares. Ao mesmo tempo, Berger nos convida a conhecê-lo de perto, muitas vezes sozinho e no escuro, como a cena de choro que é um pedido por empatia por esse homem que frente aos outros tem que manter uma posição de controle, mas sofre solitário com suas próprias dúvidas e inseguranças. Algo semelhante se exibe com a Irmã Agnes (Isabella Rossellini), a única que Berger tem interesse por dividir, ainda que por pouco tempo, o ponto de vista do longa, seja quando a vemos escutando e espiando, ou quando ela o faz na cena que Lawrence invade o quarto do papa falecido. Tal cena revela justamente como os personagens lidam com o interesse do longa por discutir o embate entre a mudança e a manutenção da tradição a partir do se posicionar ou não. Lawrence o faz com o seu poder institucional e de gênero, a investigação que quebra as próprias condutas morais que acredita, enquanto Agnes tem como arma a invisibilidade naquele espaço social, que permite a ela ficar quieta ou se posicionar de acordo com seus interesses.
Se o discurso entre uma instituição que deseja seguir mudando e sendo mais inclusiva, frente à tradição que a mantém em um lugar de exclusão àqueles que não são homens, é bastante frontal, reforçado por diálogos e um posicionamento firme de Bellini (Stanley Tucci) e seus colegas da ala liberal, Berger confessa as hipocrisias e contradições nos detalhes, sugerindo uma igualdade daqueles cardeais (sempre filmados como uma multidão que representa unidade, seja quando encaram Lawrence vestidos da mesma forma ou em grandes planos abertos, como a vista aérea deles com guarda-chuvas se movendo), que são permissivos a discursos opostos quando convém ou são pagos para isso. Lawrence, Agnes e Benites (Carlos Diehz) vão ser a oposição mais firme a isso, por isso, são os mais comumente filmados sozinhos no plano, muitas vezes em close-up. Só que tais contradições não são exclusivas aos demais, elas se revelam o tempo todo, desde a chegada desses homens, em vestes tradicionalistas, mas portando malas contemporâneas e descoladas, fumando cigarros, usando iPhones etc. Sergio Castellitto, o mais apegado ao passado, é a representação máxima disso, sendo o único que fuma vape, por exemplo.
Toda a composição estilística do filme seguirá então esse caminho bem pensado para discursar a cada plano sobre os conflitos desses homens, a tradição vista em imagens que parecem quadros renascentistas entrando em conflito com os closes escuros daqueles que legitimamente querem mudança. Nesse sentido, Fiennes vai passar a ser filmado com mais luz justamente quando decide se posicionar e dar um passo à frente, deixando de lado os seus questionamentos pessoais, vendo novas possibilidades, ainda que nem sempre as aceitando de primeira, como quando descobre a grande revelação final. O thriller dá um tempero agradável para a despadronização narrativa, indo na mesma direção que o tema central, o rompimento com o que está enraizado, tanto na instituição quanto no cinema. As grandes atuações são apenas a pitada final de sal para esse prato tão bonito e também saboroso.