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|Crítica| 'Clube Zero' (2024) - Dir. Jessica Hausner

|Crítica| 'Clube Zero' (2024) - Dir. Jessica Hausner

Crítica por Raissa Ferreira.

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'Clube Zero' / Pandora Filmes

 

Título Original: Club Zero (Áustria)
Ano: 2024
Diretora: Jessica Hausner
Elenco: Mia Wasikowska, Sidse Babett Knudsen, Amir El-Masry, Elba Zylberstein e Mathieu Demy;
Duração: 110 min.
Nota: 2,0/5,0

 

Apostando na estética ordenada e nas referências ao cinema grego para transmitir estranhamento, Jessica Hausner não atinge o impacto que tanto busca com sua sátira anêmica

Existem basicamente dois elementos que Jessica Hausner usa em Clube Zero para transmitir a sua sátira a uma classe mais abastada, enquanto discute a manipulação de grupos em um paralelo à religião. Um deles é a estética extremamente ordenada, de ambientes estéreis que mesmo com o uso das cores nas paredes e nos móveis, serve como ferramenta para destacar seus personagens, os descolar dos fundos. Tudo é plástico, artificial, e entre os cenários milimetricamente ordenados e pensados, as roupas que criam uma hegemonia visual entre os alunos letárgicos e por vezes aproximam a líder da seita (Mia Wasikowska) - durante a iniciação e posteriormente quando todos se estabelecem como iguais - e em outros momentos, a realçam de seus discípulos - no processo em que ela se evidencia como a cabeça do sistema -, até as refeições que parecem objetos publicitários e não comestíveis, é como se a diretora pegasse o que conhecemos do cinema metódico de Wes Anderson para ilustrar os ricos alienados que vivem distante de qualquer realidade emocional. O outro recurso é uma inspiração do cinema grego atual, pela encenação. Todas as interações entre seus personagens são apáticas e rígidas, como se cada um falasse em seu momento, pausadamente, enunciado as palavras, similar a um jogo de bola, em que um passa a vez de falar ao outro. Ocorre que esses são os pilares do filme e não vão além disso, são referências que Hausner pegou emprestadas para transmitir algo, mas não soube criar nada próprio por cima, apostando que bastaria o estranhamento proveniente de uma rigidez organizada com pessoas frias pontuando frases engraçadinhas sobre suas condições sociais, em meio ao conflito proposto, para causar um impacto contundente no espectador. O resultado na verdade é muito mais insosso, a narrativa se torna rasa e invariável como o mantra que os alunos letárgicos entoam, não se altera nunca, segue uma constante quase meditativa que pouco tem para apresentar além do que já foi dado nas primeiras cenas.

Todo questionamento sobre fé e religião que Clube Zero tenta passar por meio da relação entre os alunos e a líder da seita, é no mínimo confuso. Embora suas peles se tornem verdes e amareladas pela falta de alimentação proposta no curso, os jovens ainda seguem firmes em seus esportes e atividades, parecem mais concentrados e funcionais ao mesmo tempo em que se assemelham a zumbis visualmente. A não ser pelo deslize com Fred, totalmente justificado pela diabetes, a fé de que todos podem existir ali sem comer parece se confirmar pelo que a narrativa propõe. Hausner soa mais interessada nesse conflito da crença, da fé cega, do que em criticar a problemática das ações, e isso se torna conflitante no ponto em que sua obra se inicia com um alerta de gatilho sobre transtornos alimentares, algo que destaca como o longa é um produto tão atual que sente a necessidade de assumir alguma responsabilidade com suas supostas mensagens, mas ao mesmo tempo não casa com o que é exibido. Outro ponto que enfraquece bastante o todo é como Mia Wasikowska compõe essa personagem, a líder manipuladora que seduz jovens a acreditarem em sua ideologia sem buscar nenhuma comprovação além de sua própria fé, é uma mulher insegura, meio capenga, sem força ou imponência visualmente, com a fala tão tímida quanto sua postura. Assim, todos os elementos aqui são um mingau sem graça, tentando incomodar o espectador justamente nessa apatia constante, mas gerando apenas indiferença no processo.

Frases que apelam ao cômico dos ricos desconectados da realidade pontuam as cenas como a voz de Miss Novak durante os mantras, tudo caminha igualmente sem alguma emoção até que alguém diga quase no mesmo tom que só foi salvo porque estava esquiando na Suíça, que está salvando o mundo e o meio ambiente ao comer menos, ou que talvez a filha seja mimada demais enquanto o plano se abre para mostrar a mansão em que estão. Jessica Hausner deve ter pensado que esses momentos eram bastante inteligentes e sofisticados para os dar tanta importância em sua mise-en-scène, mas eles passam quase despercebidos, uma vez que Clube Zero não tem realmente mais nada para dizer, fica rodando na mesma linearidade quase enfadonha pautada nos mesmíssimos recursos. É por isso que nem ao menos seu apelo desesperado por algum impacto na cena do vômito, comentada na época de seu lançamento em Cannes e agora ressuscitada por um marketing desesperado, ou na cena final, que remonta a santa ceia e coloca uma de suas personagens para falar diretamente com o espectador questionando se a crença da seita seria realmente um problema ou apenas uma questão de fé, um último lance em busca de algo mais forte que toda aquela apatia, surtem algum efeito. O filme já chega tão cansado até aqui que nem uma reação é provocada, poderia até ser um debate complexo, ou questionável, mas é pífio por toda a construção rasa e sem personalidade. 

É no mínimo triste que Jessica Hausner só tenha encontrado soluções tão pequenas e limitadas para dizer algo, que no fim, nem sabemos ao certo o que seria. É clara sua intenção de construir alguma coisa, mas nem ao menos o ponto sobre a fé chega a algum lugar. Talvez nem ela mesma saiba, e por isso tudo soa uma grande crítica vazia ao nada, uma sátira que não encontra algo a ser realmente provocado, pois não tem impacto o suficiente, nem bom nem ruim, para ridicularizar algo além de si mesmo. Clube Zero caminha como seus próprios personagens, sem forças.

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