|Crítica| 'Close' (2023) - Dir. Lukas Dhont
Crítica por Victor Russo.
'Close' / O2 Play & MUBI
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Lukas Dhont desespacializa o mundo para se aproximar de seus personagens e percorrer as diversas dúvidas do ser humano
"Close” se inicia com dois garotos brincando um jogo só deles, enquanto a câmera os acompanha por dentro do esconderijo, antes de em seguida os seguir por uma longa corrida em um campo cheio de flores. O mundo passa ao fundo, desfocado, enquanto a câmera não sai de perto dos dois meninos e faz daquela corrida um objeto de interesse, algo quase sublime.
Tal lógica da mise en scène vai percorrer os quase 110 minutos de filme. Com uma câmera muito próxima dos personagens, Dhont desespacializa aquele mundo. Por mais que aquele mundo seja, na maioria das vezes, a causa de tudo que vai acontecer na vida dos personagens, o cineasta sempre vai colocar os personagens como o foco da narrativa (literal e simbolicamente).
Com isso, ele nos traz para próximo daqueles dois garotos ao dar uma atenção para cada momento, como essa relação é construída em olhares, sobretudo de Remi (Gustav De Waele) para Leo (Eden Dambrine) quando o segundo não está olhando de volta, ou pequenos gestos, como o deitar junto. É como se Dhont parasse o tempo, a música sumisse, e o que importasse fossem só eles dois no aqui e agora, independente do que estão ou não fazendo.
Porém, ao mesmo tempo que esses jovens parecem bastante maduros para a sua idade, esse amor entre eles pode ou não ter a ver com uma relação homessexual. A verdade é que pouco importa, pelo menos para eles. É algo forte que não precisa ser explicado, mas que eles vivem e fazem parte do seu desenvolvimento como pessoas, antes que o mundo os olhe e os julgue. É uma vontade de estarem sempre juntos, fazerem tudo juntos. Como se um só existisse com o outro ao lado.
Entretanto, por mais que esteja fora de foco, a força desse mundo não pode ser ignorada. Trata-se de uma sociedade que está sempre ali à espreita, carregando seus valores e os passando de geração para geração. Não se trata, por exemplo, de um simples bullying, como vemos aos montes no cinema. Mais do que isso, aqueles garotos que servem como o primeiro contato externo dos dois amigos são apenas um exemplo desse mundo que tenta adequar todos a uma cartilha. Isso fica claro quando todos aqueles meninos passam a aceitar Leo quando este prova sua masculinidade, provando que eles não são maus, apenas reproduzem o que a sociedade espera deles.
Sobra então para Remy, que não quer fazer parte do time Hockey ou deixar de se deitar na barriga do amigo só porque os outros garotos e garotas vão rotulá-los por isso. A única coisa que ele quer e precisa é daquele amor que percorreu toda sua vida. Amor pelo qual ele não sabe viver sem. É o único tipo de rejeição que ele não sabe lidar.
Só que, apesar desse rompimento, a mise en scène de Dhont pouco muda. Seu foco continua nos momentos, nos olhares e nos gestos, enquanto a baixa profundidade de campo mantém o interesse do olhar da câmera para os personagens. O que muda não é necessariamente o “o quê?”, mas o “como”. Os gestos que os aproximavam agora os afastam. Os olhares de amor dão lugar à tristeza e à confusão. É a prova de que o mundo continua o mesmo, o que muda apenas são os personagens, que vão sendo deixados cada vez mais sozinhos no plano.
Até o momento em que tudo muda e o luto vira tema. Como lidar com a perda se você nem é capaz de entender o que sente e o que o outro sente? Tal dúvida fica fortemente representada em uma das últimas cenas, em que a mãe de Remy, uma mulher adulta que teoricamente saberia lidar com a situação, deixa claro que entende tão pouco sobre os próprios sentimentos quanto Léo. Por isso, o abraço entre eles é tão significativo, é a procura no outro, em um carinho ou no simples aconchego, algum tipo de segurança ou resposta para entender o próprio sentimento.
A mise en scène continua a mesma, mas o significado muda. O mundo desfocado que um dia quebrou esses personagens, agora é só um borrão que não fornece nenhuma resposta a eles. Resta a eles encontrarem, sozinhos ou acompanhados, uma maneira de seguir em frente e lidar com aquilo que perderam.
Dhont faz então de “Close” um olhar sobre o personagem em um mundo que está sempre ali, mesmo sem querer se fazer presente. Um mundo que molda, machuca, insinua, mas nunca dá respostas, assim como o filme abre mão delas. Pois simplesmente não há como explicar os sentimentos, sobretudo quando nem sabemos o que sentimos. Permanece, então, os momentos vividos, os olhares, as carícias, os abraços apertados ou uma simples corrida entre um campo florido que jamais será esquecida.