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|Crítica| 'Carro Rei' (2021) - Dir. Renata Pinheiro

|Crítica| 'Carro Rei' (2021) - Dir. Renata Pinheiro

Crítica por Victor Russo.

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'Carro Rei' / Boulevard Filmes

 

 
Título Original: Carro Rei (Brasil)
Ano: 2021
Diretora: Renata Pinheiro
Elenco : Matheus Nachtergaele, Jules Elting, Luciano Pedro Jr., Tavinho Teixeira e Clara Pinheiro de Oliveira.
Duração: 99 min.
Nota: 3,0/5,0

 

“Carro-Rei” parte de uma estrutura comum, mas a reinventa ao adicionar a fantasia como corrupção metálica

Seria “Carro-Rei” o “Titane” brasileiro ou seria “Titane” o “Carro-Rei” Francês? Por mais que distantes geograficamente e até estilísticamente, não deixa de ser curioso esses dois filmes terem sido lançados tão próximos (ambos foram exibidos pela primeira vez ano passado em festivais, o primeiro no de Gramado e o segundo em Cannes). Isso, claro, porque ambos vão ter no carro e no metálico o que impulsiona sua narrativa. Inclusive, há uma cena de sexo que faz uma ligação ainda mais direta entre as duas obras.

Porém, se “Titane” está muito mais interessado em trabalhar temáticas sociais, a paternidade e o feminino sob uma lógica do terror slasher, “Carro Rei” abraça a fantasia sombria e convida o espectador a participar dessa jornada alucinada ao som de metal (tanto o gênero musical quanto nos sons presentes na diegese), enquanto fala sobre revolução social, luta de classes, manipulação das massas, relação de dependência do homem com as máquinas, ambientalismo e por aí vai. 

De certa forma, a necessidade do filme brasileiro em comentar sobre tudo que está errado em nosso país seja uma auto armadilha, criando alguns “mini-filmes” dentro do filme que retardam e rompem constantemente com o filme de gênero que parece ansioso para nascer e se desenvolver.

Isso fica claro em como o longa parece completamente diferente nos momentos envolvendo o protagonista, sua namorada e a ONG ambientalista, em relação ao que Renata Pinheiro faz (muito mais à vontade) nas sequências mais fantasiosas. São nesses momentos que o real dá lugar a um jogo corporal mais intenso e místico, fazendo de cada cena um ritual meio futurista e tribal ao mesmo tempo. 

A voz metalizada do Carro-Rei vem para controlar a sua seita, fazendo das pessoas a sua volta seguidores manipulados, mas nunca descorporizados. É justamente na encenação proposta, os corpos que parecem retroceder a um estado mais primitivo, o andar e dançar curvado dos homens de macacão azul, a atuação quase bestial de Matheus Nachtergaele ou mesmo o sexo sensual e ao mesmo tempo irracional com Juliane Elting, tudo isso envolto em um filtro azul irreal, que o longa parece se libertar das amarras do realismo social para fazer da realidade apenas uma metáfora de uma mise en scène que joga com o simbolismo fantástico.

É até quando o filme se entrega mais à fantasia que seus comentários sociais ganham força, ao saírem do texto e serem integrados à mise en scène. O problema é que Renata parece nunca confiar apenas na estranheza e na analogia. E constantemente quebras são impostas para uma abordagem mais direta, como na cena da intimidação policial. Talvez seja por isso que “Carro-Rei” me lembre tanto “Casa de Antiguidades”, é como se faltasse ao primeiro essa liberdade maior do segundo de se libertar completamente do explícito a fim de se tornar sentido pela incompreensão sensorial. 

Dessa forma, “Carro-Rei” funciona como um filme que parte dessa estrutura comum de filmes revolucionários em que a revolução perde o rumo e o foco do que pretendia criticar, tornando-se o problema a ser resolvido. Mas o faz sob uma lente fantástica metalizada que só não tem mais força porque é constantemente suprimida por uma abordagem mais direta e menos sutil, explicitando a metáfora a ponto de se tornar diálogos claros e banais. Ainda assim, quando se entrega ao estranho, a bestialização da encenação faz do filme uma experiência sensorial de potência imersiva, desracionalizando o público e o posicionando ao lado dos seguidores do “Carro-Rei”.

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