|Crítica Cannes 2023| 'Monster' (2023) - Dir. Hirokazu Kore-eda
Crítica por Victor Russo.
'Monster' / Hirokazu Kore-eda
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Ao contar a mesma história sob vários pontos de vista, Koreeda tenta criar um retrato plural a fim de mostrar que todos aqueles personagens são boas pessoas. Mas, ao fazê-lo, acaba por tirar o peso desses personagens e situações
Há pouco mais de um mês chegava ao Brasil “Broker”, exibido e premiado no Festival de Cannes 2022. Como aconteceu ano passado, o queridinho e vencedor da Palma de Ouro Hirokazu Koreeda volta a ter um longa no Festival mais importante do cinema, mas agora retornando ao seu país natal, o Japão. Quase sempre focado em temáticas sociais pela ótica de personagens transgressores, mas que vão se mostrando para gente como pessoas adoráveis ou pelo menos capazes de gerar empatia, o cineasta mantém a tradição do seu cinema, mas agora sem uma temática social mais evidente. Claro que ao fazer questão de fragmentar a narrativa em partes em que vemos a mesma história sob pontos de vista diferentes, o diretor está comentando indiretamente sobre o mundo em que vivemos e os constantes julgamentos de valor direcionados ao outro sem muitas vezes conversarmos antes.
Se a temática em si soa meio batida, Koreeda trata de deixá-la ainda mais piegas. A estrutura de descoberta até se assemelha bastante ao cinema de Asghar Farhadi, com a diferença de que o cineasta japonês vai abrindo mão desse cinema mais nervoso (bastante presente nos pontos de vista da mãe e do professor) para dar lugar a um tom mais inocente. É bem verdade que tal caminho nos leva a um apego maior às duas crianças (último ponto de vista), mas é também quando o cineasta mais desliza na manipulação nada sutil do espectador, algo comum sobretudo nos fechamentos de suas obras. A diferença é que ele fica em um meio do caminho, não se entrega totalmente ao melodrama, como em seus melhores trabalhos, nem consegue manter o sentimento de indignação provocado pelos dois primeiros pontos de vista.
Entretanto, o maior problema vai se encontrar mesmo nessa estrutura que cria muitos filmes sobre a mesma história, que parece mais interessado, em muitos momentos, em ser um quebra-cabeça a ser desvendado, do que em provocar uma relação mais afetiva em seu espectador. É um daqueles casos em que a fragmentação chuta para fora da trama personagens que estavam longe de estarem finalizados. Pelo menos dessa vez o cineasta abandona o fechamento moralista, um problema crônico de seus últimos filmes, e se entrega àquela relação dos dois garotos. Se em “Broker” a base era sólida e o fechamento decepcionante, em “Monster”, a estrutura é dispersa, mas a conclusão relativamente satisfatória. Se o longa focasse menos em parecer espertinho, dando piscadinhas a cada nova descoberta, e tivesse um maior interesse nos personagens o tempo todo, ele certamente funcionaria bem mais.