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|Crítica Cannes 2023| 'La Chimera' (2023) - Dir. Alice Rohrwacher

|Crítica Cannes 2023| 'La Chimera' (2023) - Dir. Alice Rohrwacher

Crítica por Victor Russo.

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'La Chimera' / Alice Rohrwacher

 

Título Original: La Chimera (Itália)
Ano: 2023
Diretora:  Alice Rohrwacher
Elenco : Josh O'Connor, Isabella Rossellini, Alba Rohrwacher, Carol Duarte e Vincenzo Nemolato.
Duração: 130 min.
Nota: 2,5/5,0

 

O interessante olhar de ternura de Alice Rohrwacher para com os personagens e a vida rural perde força com um filme que propõe tão pouco ao seguirmos um protagonista distante

O olhar de “La Chimera” para com a vida em um ambiente específico não é novidade na carreira da cineasta. Essa paixão pelo bucólico, por acompanhar sem julgamentos personagens comuns levando uma vida rural em comunidade, cheio de simplicidades e união entre eles, assim como a relação com a natureza, é a base do cinema de Rohrwacher. E é também onde ela encontra a sua força. É uma câmera que olha com ternura, sem julgar os atos dos personagens. Pouco importa se eles estão transgredindo a lei, mais relevante são os momentos de interação, como uma dança, uma paixão nascendo pela confiança ou mesmo um dom que permite a sobrevivência da parte daquela comunidade. Não é uma utopia bucólica, mas apenas (o que é muito) o conforto de viver com quem ama em um lugar aconchegante e simples.

É aqui então que entra o protagonista, Arthur (Josh O’Connor), o único ali incapaz totalmente de viver naquele lugar. Preso ao passado e distante no presente, o filme marca sua chegada e partida. O trem que um dia foi a representação da modernização do velho oeste, agora, bem mais simples, só traz de volta para casa um personagem que não queria estar ali. Porém, o ambiente construído pela diretora é tão aconchegante que decide ficar. Só que ele nunca está ali completamente, sempre distante, com a cabeça longe, em uma confusão mental que faz passado, presente e futuro se misturarem entre o que perdeu e o que quer de volta. É um pouco de onde entra a fantasia do seu dom, mais um elemento presente na filmografia de Rohrwacher. A graça está justamente na finalidade dessa habilidade, nada usual, mas eficiente para aqueles que tentam sobreviver afastados das grandes cidades.

Entretanto, se Arthur não consegue ter qualquer afeto e proximidade nem por seus amigos e companheiros caçadores de tumba, isso muda com a presença de Itália, vivida pela ótima Carol Duarte, o ponto alto do longa. Não é apenas uma paixão nascendo, mas a única possibilidade de trazer o personagem para viver o presente. Conseguiria então Arthur esquecer sua perda e seguir em frente? Essa é a pergunta que ganha força a partir da entrada da personagem. Com olhar doce e personalidade firme, Itália e Arthur se conhecem descobrindo segredos um do outro. Mas o primeiro impulso não é a denúncia, isso nunca se torna uma questão. A beleza está justamente em como na troca de olhares, antes mesmo do primeiro diálogo, Rohrwacher nos faz querer que esses personagens fiquem juntos. O mérito aqui é muito mais de Carol e seu sorriso que ela tenta esconder sem conseguir ou como vai desconstruindo a ingenuidade da personagem, do que de O’Connor, ainda que sejam os únicos momentos em que o ator demonstra alguma simpatia.

Se até agora pareço ter apenas elogiado “La Chimera” é por perceber que o filme tem qualidades e uma ternura aconchegante capaz de criar uma proximidade entre obra e espectador. O problema é que isso pouco é o objeto de maior atenção do longa. Carol dura pouco na narrativa antes de voltar muito tempo depois. Entre o amor e o dom para descobrir tumbas com objetos históricos perdidos, Arthur prefere o segundo. Tudo bem, faz sentido para o personagem que ainda prefere viver o passado e apenas existir sem perspectiva no presente. Só que ao seguir tal caminho, Rohrwacher nos leva para um afastamento. Pouco há de interessante nesse mundo da venda de objetos descobertos ilegalmente. Vida em Arthur não existe quase nenhuma. A empatia por aquele protagonista e o mundo rural a sua volta, o qual a diretora tenta construir com tanto carinho, vai se dissipando. Isso porque a alma do filme é Itália e não Arthur. Cheia de vida, ela é jogada no esquecimento por quase todo o restante da rodagem e leva junto todo o encanto que o longa tinha. Para um filme que olha com tanta ternura para aquele mundo, o resultado é para lá de morno.

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