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|Crítica Cannes 2023| 'Kubi' (2023) - Dir. Takeshi Kitano

|Crítica Cannes 2023| 'Kubi' (2023) - Dir. Takeshi Kitano

Crítica por Victor Russo.

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'Kubi' / Takeshi Kitano

 

Título Original: Kubi (Japão)
Ano: 2023
Diretor: Takeshi Kitano
Elenco : Takeshi Kitano, Hidetoshi Nishijima, Ryo Kase, Tadanobu Asano e Nao Omori.
Duração: 131 min.
Nota: 3,5/5,0

 

O épico histórico de samurai de Kitano é uma deliciosa confusão banhada de sangue sobre homens lutando a todo custo pelo poder. Em certo sentido, lembra bastante os filmes de Yakuza do mestre da violência direta

"Kubi" abre com um plano que passeia por um campo de batalha. Não vemos a luta travada ali, apenas os corpos no rio, o sangue escorrendo com a água e cabeças faltando substituídas por caranguejos. Pode parecer exagerado e tétrico, porque é. Assim como contém uma dose de ironia que estará presente em todo o longa. Homens mortos, cabeças faltando e uma sede por poder que não deixa ninguém para contar a história, essa é a base do possível último filme de Kitano.

Com uma carreira bastante marcada pelos filmes de máfia, pode parecer estranho à primeira vista a escolha do diretor de retornar ao cinema de samurai para (possivelmente) encerrar a sua carreira. Mas, na prática, "Kubi" não é tão diferente assim de muitos dos seus filmes de Yakuza. Não só pela clara violência explícita, provocando o espectador ao gerar uma ambiguidade entre a repulsa e o prazer. Parece errado, nosso senso moral diz isso, mas é tão bom. Kitano sempre teve essa consciência da dicotomia no espectador e aqui parece levar o explicitamente belo das mortes horríveis a um nível ainda mais exagerado. Tal escolha pelo sangue e cabeças cortadas vai em direção à proposta do longa e outros filmes do cineasta, como o recente mas nem tanto "Outrage". Homens imbecilizados com ânsia por poder e uma falsa noção de ética e moral que não poupam esforços e mortes para atingir o poder.

Mas "Kubi" leva menos a sério ainda a ridicularização desses personagens, o que ganha contornos mais interessantes quando descobrimos que é baseado em fatos reais. É como se toda a base dessa sociedade fosse homens estúpidos, sanguinários e gananciosos, enquanto a noção de ética e dever não passasse de uma mentira. Kitano ironiza isso não só nos personagens mais poderosos, como o monarca bobalhão ou o personagem que ele mesmo interpreta, que parece rir de todo aquele absurdo com consciência, mas também nas muitas cenas de personagens cortando cabeças de mortos importantes após as batalhas na ânsia de assim virarem samurais. Os samurais, quase sempre vistos como símbolos de poder e moral, são uma farsa.

Entretanto, por mais que a violência explícita esteja presente, quase sempre como piada (a dos sósias assassinados talvez seja o melhor exemplo nesse sentido), Kitano parece mais interessado mesmo no que acontece após a batalha. Se ele vulgariza e menospreza o ato de matar, justamente por ser algo banal para esses personagens sedentos por poder, a abordagem dos campos de batalha é bem diferente. Os corpos estirados são filmados com calma, com peso e com atenção. Mais do que contemplar, o diretor está nos dizendo que aquilo é o que realmente interessa, as consequências dos atos desses homens que não deixa vencedores.

É bem verdade que o filme é cheio de excessos e extremamente confuso. Diversos personagens que fazem e desfazem alianças a todo momento muitas vezes tornam a trama difícil de acompanhar. A sede por poder é banalizada a ponto de nem sequer nos importarmos mais com nenhum personagem ou relação. Por um lado, muitas cenas perdem a força dramática por não sabermos exatamente qual resultado ali realmente importa. Por outro, Kitano reforça conscientemente que nada importa. Todo mundo vai morrer em algum momento e os que viverem já estão mortos por dentro há muito tempo. Em um filme que olha para a história do seu país e a formação dessa sociedade com tanto desprezo, Kitano prefere rir do absurdo. Afinal, esse pode ser seu último filme, não teria porque terminar sua bela carreira com pessimismo.

 

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