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|Crítica Cannes 2023| 'Killers of the Flower Moon' (2023) - Dir. Martin Scorsese

|Crítica Cannes 2023| 'Killers of the Flower Moon' (2023) - Dir. Martin Scorsese

Crítica por Victor Russo.

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'Killers of the Flower Moon' / Paramount & Apple TV

 

Título Original: Killers of the Flower Moon (EUA)
Ano: 2023
Diretor: Martin Scorsese
Elenco : Leonardo DiCaprio, Robert De Niro, Lily Gladstone, Jesse Plemons, Tantoo Cardinal, John Lithgow e Brandan Fraser.
Duração: 206 min.
Nota: 4,5/5,0
 

Martin Scorsese tira o foco da investigação ao trazer o ponto de vista dos assassinos, mas sem nunca gerar qualquer empatia (ou glamour) por eles, funcionando como denúncia em contraposição à visão ambígua da maioria dos seus filmes

É uma percepção muito comum a de que o cinema de Scorsese é marcado por obras de máfia e seus anti-heróis. Há até quem (erroneamente na minha visão) acredita que o cineasta faz sempre o mesmo filme. Entretanto, apesar de similaridades temáticas e estéticas, o diretor é sempre capaz de trazer uma abordagem nova para cada um de seus filmes. Nesse sentido, “Os Assassinos da Lua das Flores” é mais uma adaptação dele de um livro baseado em fatos reais para o cinema. E, talvez, a que mais se diferencie do material original. 

Se o livro de David Grann foca na investigação do extermínio dos Osages e a criação do FBI, colocando como grande objetivo a descoberta de quem estava por trás daquele extermínio ganancioso que tudo tem a ver com a construção racista e imperialista da sociedade americana, Scorsese nos entrega de bandeja, logo de cara, quem são os mandantes e o porquê deles fazerem aquilo. A resposta é simples: dinheiro. E aqui o cineasta começa a se diferenciar não só do material original, mas também de boa parte de seus filmes, revelando um pouco mais desse Scorsese revisando sua própria visão do final de carreira, bastante presente em “O Irlandês”. O diretor sempre foi marcado por uma ambiguidade, colocando criminosos ou pessoas de caráter duvidoso em primeiro plano e fazendo um estudo deles, muitas vezes glamourizando aquele mundo só para depois os personagens serem destruídos pela ambição. 

Em “Killers of the Flower Moon” não tem dicotomia ou complexidade, William Hale (Robert De Niro) e Ernest Buckhart (Leonardo Dicaprio) são ruins e pronto. Não teria como ser diferente, visto que foram responsáveis por um extermínio dos povos originários há não tanto tempo assim. Isso não quer dizer que os personagens sejam rasos, há profundidade, até porque observamos tudo pelos olhos deles. Mas diferente de outras obras de Scorsese, esse ponto de vista não tem empatia, pelo contrário, a simpatia acontece justamente por quem está sendo observado por eles. Se há uma maior ambiguidade aqui, ela está justamente ao dar ao homem branco o poder do olhar, assim como quase sempre foi e continua sendo no cinema. Porém, é um poder falso, na verdade, quem controla o direcionamento do olhar no longa é o próprio cineasta, que faz esses personagens acreditarem que são poderosos e sairão bem sucedidos. 

Isso fica mais claro em como aos poucos ele vai aproximando cada vez mais a câmera de Mollie Buckhart (Lily Gladstone). Antes, indefesa e em prantos, a vemos de longe na cama doente ou em uma câmera subjetiva que representa o olhar de Ernest, em cima da escada vendo sem esboçar reação a esposa chorar lá embaixo. Aos poucos, Mollie vai se recuperando, e com ela todos os Osages. O que no início parecia apenas uma figura para ser vista como o seus agentes voyeurs desejavam, agora ganha presença na tela ao enfrentar os assassinos que quase tiraram tudo dela. Lily cresce com a personagem, transforma a personalidade em grandeza e se impõem diante de Ernest. É um Scorsese sensível como poucas vezes vimos antes.

A chegada do FBI (que domina as páginas do livro) vem só na hora final e pode até mudar os rumos da história, mas não altera o objeto de maior identificação do filme. Não que eles sejam vistos como vilões desprezíveis, o que acontece com os assassinos, mas, sim, por aparecerem apenas para desempenhar sua função, o que só foi possível graças aos esforços de Mollie. Jesse Plemons surge então de cara quase inexpressiva, como alguém executando um trabalho de forma séria, mas com quase nenhum envolvimento emocional. Transforma-se quase no centro dessa balança, que pende empaticamente para Mollie e os demais Osages e julga (e às vezes ironiza) os assassinos.

Em certo sentido, “Killers of the Flower Moon” tem até uma estrutura semelhante aos filmes do diretor, acompanhando personagens por muitos minutos cometendo delitos até uma punição final. Em certo sentido, até a violência banalizada e crua vem das outras obras do diretor, mas aqui com uma carga de sentimento de superioridade por parte dos assassinos, que não ligam para as vidas que estão tirando. A diferença aqui está em como a câmera olha para eles e isso faz toda a diferença. Se nos divertimos com Dicaprio e De Niro juntos é muito mais pela falta de sintonia dos dois personagens (mas não dos atores, que estão brilhantes como sempre), o segundo beirando até um manipulável grotesco que nada tem de inocente, do que por alguma tentativa de Scorsese de nos aproximar deles. Dessa vez, não somos cúmplices, apenas observadores atentos. O cineasta prova mais uma vez que é capaz de se reinventar a cada filme e por isso é um dos grandes de todos os tempos.

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