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|Crítica Cannes 2023| 'Jeanne du Barry' (2023) - Dir. Maïwenn

|Crítica Cannes 2023| 'Jeanne du Barry' (2023) - Dir. Maïwenn

Crítica por Victor Russo.

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'Jeanne du Barry' / Le Pacte - Cannes 2023

 

Título Original: Jeanne du Barry (França)
Ano: 2023
Diretora: Maïwenn
Elenco :Johnny Depp, Maïwenn, Pierre Richard, Noémie Lvovsky e Benjamin Lavernhe.
Duração: 116 min.
Nota: 2,0/5,0
 

Na tentativa de se divertir com a transgressão, “Jeanne Du Barry” não só é menos ousado do que pensa, como esquece os personagens no processo

Não deixa de ser curioso que o filme de abertura do Festival de Cannes 2023 foi “Jeanne Du Barry”, justo no mesmo ano em que o último vencedor da Palma de Ouro, Ruben Östlund, é presidente do júri. Provavelmente seja só uma coincidência, mas o longa se assemelha muito com o cinema do sueco, ainda que menos escrachado, e com toda essa moda atual de sátiras à elite e aos costumes que na tentativa de ser espertinha e provocativa se resume a rir dos personagens bobalhões da forma mais morna possível. É uma suposta transgressão, assim como a protagonista se diverte aos montes provocando todos os presentes na corte, em um filme que pouco tem de realmente ousado. Para uma obra que fala constantemente de sexo, não há qualquer sensualidade. Para um filme teoricamente progressista, há um personagem negro quase inexistente após uma cena terrível que faz justamente o que pretende criticar. 

Isso me lembra bastante o melhor filme de Maiwenn, “Polisse”, um longa caótico, enérgico, furioso, com uma câmera na mão correndo para todo lado ajudando a reforçar o stress vivido pelos personagens que riem de nervoso, gritam de cansaço e pouco espaço têm para a felicidade. “Jeanne Du Barry” é quase o completo oposto (quase porque o longa é também caótico, mas dessa vez no mal sentido). É um longa austero, sem personalidade e indeciso em abordagem. Inicia propondo uma visão contemplativa, quase voyeurística. Primeiro vemos a personagem sendo pintada, enquanto a observamos. Em seguida, é ela quem passa a observar, da janela distante. Os lentos dollys (câmera se movendo sobre um carrinho) em direção aos personagens ou os abandonando reforça essa busca pela contemplação observativa e pomposa, ainda que tirando sarro desse luxo dos grandes espaços do Palácio de Versailles.

Isso tudo dura pouco, e o longa segue se movimentando como a história real sendo contada apenas por fragmentos que Maiwenn julga mais importantes, por meio de longas elipses com intervenções explicativas de uma narração em off. A estrutura é de um épico de época, ainda que a duração (menos de duas horas) sugira o contrário. Aos poucos, o longa vai perdendo a pouca força que tinha inicialmente, quando Jeanne Du Barry se destacava ao não se encaixar naquele espaço e ironizava a todos com energia e uma risada prestes a aparecer. Quando o romance começa, cada bloco entre as elipses até contam momentos diferentes, mas nada evolui. Vemos Jeanne fazer a mesma piada várias e várias vezes para tirar sarro das mesmas pessoas. O romance fica sempre no mesmo lugar, o do roteiro que nunca aparece em tela, já que é difícil ver qualquer conexão entre a vívida interpretação de Maiwenn e o piloto automático cansado de Johnny Depp.

Tudo isso se estende até o longa tomar um rumo mais melodramático. O problema é que, com exceção de alguns bons momentos entre Jeanne e o braço direito do rei, em que sentimos o carinho entre eles apenas pelo olhar, a obra simplesmente escanteia quase todos os seus personagens, transformando-os ou em meras piadas ou em ignorados que surgem aqui ou ali quando convém. Talvez se Depp tivesse o mínimo de carisma, que ele parece ter perdido há anos, e conseguisse criar uma paixão ardente com a protagonista, tudo isso poderia ser ignorado. Não é o caso, então fica difícil sentir qualquer coisa pelos personagens presentes. No fim, “Jeanne Du Barry” é só mais uma sátira de costumes confusa, que tenta ser muitas coisas, ter muitas escolhas formais diferentes (e que não conversam) e fazer piadas a fim de parecer disruptivo, mas acaba caindo no caminho da austeridade boba sem personagens interessantes. Enquanto filmes assim ganharem a Palma de Ouro, provavelmente continuarão se multiplicando (infelizmente).

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