|Crítica Cannes 2023| 'Firebrand' (2023) - Dir. Karim Aïnouz
Crítica por Victor Russo.
'Firebrand' / Karim Aïnouz
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Karim Aïnouz pouco se importa com a história e pompa da realeza, focando em um jogo de olhares e sussurros. Ainda que tal abordagem esconda o diretor por trás de um filme de estúdio
Uma dança com vestidos coloridos se exibindo para o rei. Uma protagonista (Alicia Vikander) forte que tenta lutar contra o sistema. Isso é o pouco de Karim que temos em "Firebrand", mas não é nenhuma surpresa. Realizar um filme de corte (um dos gêneros mais antigos e recorrentes do cinema) para um grande estúdio e com forte elenco normalmente tira a liberdade de seus criadores. Ainda mais quando esses (como é o caso do brasileiro) não estão estão habituados com o gênero e principalmente em lidar com o modelo de produção dos grandes orçamentos internacionais. Resta então ao diretor, "tirado" da visão criativa inicial do longa, funcionar como um operário. Nesse sentido, o sempre talentoso cineasta dá contornos práticos ao longa, extraindo ainda boas ideias e momentos. É um filme sem muita alma, mas bem executado.
Em certo sentido, é interessante ver como o filme vai por um caminho bem oposto do tradicional filme de corte. Não há exuberância, belos vestidos e arquitetura suntuosa. Não há extravagância. Por um lado, isso é um refresco para um gênero bastante saturado e que raramente encontra visões interessantes. Por outro, é impossível não pensar no que Karim faria com tais recursos e cores. É a cara do diretor conhecido pelo melodrama e muitas vezes o exagero. Mas, claro, não podemos pensar e debater o filme que poderia ter sido. Resta-nos o "Firebrand" que existe.
Um jogo de sussurros é criado, uma espécie de filme de espionagem dentro da corte inglesa. A encenação que não tem cores e grandezas vai para o contido, o pequeno. Karim faz do olhar e do falar no ouvido os seus principais instrumentos narrativos. Combina com essa proposta de vermos um golpe de estado em andamento pelas duas frentes, a que torcemos para dar certo e tirar o monarca podre (literalmente, aqui) do poder e a destruição dessa resistência a partir do próprio rei (Jude Law) e da poderosa igreja que tenta manter sua posição. A direção se esforça com sucesso para manter esses dois lados funcionando, criando uma interessante corrida contra o tempo. O que funciona ainda melhor por não sabermos exatamente a lealdade dos personagens.
Porém, ainda que tal abordagem possa parecer menos usual (mas nem tanto, até "Game of Thrones", uma das séries mais populares da história seguiu em parte esse caminho) e a execução seja eficiente o suficiente para manter o espectador preso aos acontecimentos, na prática, há um gosto comum. As boas atuações, mas convencionais ao mesmo tempo, de Vikander e Law ressaltam isso.
Ela presa à metáfora do pássaro querendo se libertar da gaiola, ele como um ser humano podre em decomposição. Há uma ou outra escolha mais importante, como quando a personagem se defende ferindo o machucado e o sangue se faz presente aos montes (o predador que começa a sangrar). Mas, como um todo, esse jogo de espionagem vai perdendo força na rainha ameaçada e no rei violento, o que os efeitos sonoros fazem questão de reforçar. Para um filme que cria uma interpretação própria da história real (com eventos que jamais poderiam ser confirmados), "Firebrand" é amarrado demais, como o passarinho na gaiola, mas incapaz de voar como a protagonista.