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|Crítica Cannes 2023| 'Fallen Leaves' (2023) - Dir. Aki Kaurismäki

|Crítica Cannes 2023| 'Fallen Leaves' (2023) - Dir. Aki Kaurismäki

Crítica por Victor Russo.

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'Fallen Leaves' / Aki Kaurismäki

 

Título Original: Koulleet Lehdet (Finlândia)
Ano: 2023
Diretor: Aki Kaurismäki
Elenco : Alma Pöysti, Jussi Vatanen, Janne Hyytiäinen e Nuppu Koivu.
Duração: 81 min.
Nota: 4,0/5,0

 

Em uma Finlândia sem graça, Aki Kaurismäki prefere encontrar a leveza e o amor por meio da sua encenação frontal, mas sem nunca ignorar os problemas

Dono de uma encenação frontal peculiar (atores quase sempre de frente para a câmera, algo quase teatral), o que não é inovador (muitos os chamam de um diretor bressoniano), mas é pouco usual atualmente, Kaurismaki geralmente utiliza o olhar de frente para enfrentar (perdão pelo trocadilho e pela repetição) os problemas sociais. Não que os seus filmes sejam sempre sérios com tom de denúncia. Pelo contrário, ele normalmente encontra a ironia trágica, como em "A Garota da Fábrica de Fósforos", ou um olhar mais sensível, como em seu filme francês "O Porto". Mas poucas vezes o finlandês foi capaz de ver o seu país e os problemas sociais dele de uma forma tão deliciosa quanto em "Fallen Leaves".

Ansa (Alma Poysti) e Holappa (Jussi Vatanen) escutam notícias da Guerra da Ucrânia no rádio, mas mais parece que o aparelho só está falando com a gente. A tragédia parece não afetá-los em meio ao trabalho precário e exaustivo da primeira e a solidão e o alcoolismo do segundo. A tragédia está posta: guerra no país vizinho, trabalho precário, solidão, alcoolismo, dificuldade de socialização, rotina sem novidades etc. Vemos os personagens de frente, só que eles são tão distantes (de nós e dos demais personagens). É então que, mesmo antes do casal se encontrar, Kaurismaki prefere rir desse país sem graça e problemático do que se afundar na fossa. A protagonista é demitida por comer uma comida que seria jogada fora, porém, com as amigas ao lado, pouco se importa. Tira sarro do absurdo até parar em um outro emprego ainda pior. Quando se estabelece por lá, antes de receber o seu primeiro salário miserável, o dono do estabelecimento é preso por envolvimento com a máfia. 

Poucas vezes narro eventos nas minhas críticas, mas, principalmente esses dois, são interessantes para perceber o olhar de Kaurismaki. É desse olhar para o absurdo que surge a graça da sua encenação. É melhor rir do que chorar. Ele prefere exagerar do que tornar tudo natural. Claro que os eventos são engraçados no papel, como Holappa bebendo escondido em seu primeiro encontro com Ansa. Ou nos cinéfilos tentando interpretar de forma esnobe o filme que acabaram de assistir (aqui Kaurismaki brinca consigo mesmo ao citar Bresson, um dos seus mestres). Mas a graça mesmo existe pela forma como essas pessoas agem e falam seus diálogos, enquanto o diretor mostra tudo. As pausas são fundamentais para tornar o afastamento entre o casal desconfortavelmente divertido. O cineasta brinca com a nossa expectativa do "normal" e cria as piadas cinematograficamente a partir disso. Muitas passagens nem seriam engraçadas, se não fosse a dificuldade dos personagens de expor seus sentimentos que evidentemente sentem (e ambos sabem disso) ou mesmo de dar uma resposta direta e rápida.

Entretanto, se o humor parte da encenação, isso não quer dizer que Kaurismaki ria dos seus personagens. Por mais distante que pareça, o diretor encontra afeto nesses personagens com dificuldade emocional e para com o mundo. Após um encontro desastrado, o roteiro faz questão de afastá-los, seja pelo desencontro, pela perda do número de telefone ou por um acidente, a narrativa faz de tudo para representar a difícil interação desse romance na distância física, no não se ver. Eles são uma representação desse todo, dessa Finlândia sem calor humano.

Assim, resta ao casal buscar essa proximidade, mudar para ter o outro, como a escolha de Holappa em parar de beber, mesmo sendo um dependente químico. O rádio que antes tocava ao fundo sem a atenção dos personagens, agora os incomoda. A impossibilidade de um escutar o outro também é superada pela paciência. Em um país tão distanciado, Ansa e Holappa escolhem o amor, ainda que desajustado. Em uma Finlândia sem graça, Kaurismaki escolhe rir e amar junto com os personagens, mas sem nunca esconder os problemas. Uma visão linda e romântica, sem nunca deixar de ser consciente.

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