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|Crítica Cannes 2023| 'Asteroid City' (2023) - Dir. Wes Anderson

|Crítica Cannes 2023| 'Asteroid City' (2023) - Dir. Wes Anderson

Crítica por Victor Russo.

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'Asteroid City' / Wes Anderson

 

Título Original: Asteroid City (EUA)
Ano: 2023
Diretor: Wes Anderson
Elenco : Jason Schwartzman, Scarlett Johansson, Tom Hanks, Jeffrey Wright, Tilda Swinton, Willem Dafor e Edward Norton.
Duração: 105 min.
Nota: 3,5/5,0

 

Wes Anderson se liberta cada vez mais de qualquer amarra para fazer um filme sobre a essência do seu cinema

Simetria, tons pastéis, perfeccionismo, personagens agindo de uma maneira pouco naturalista, comédia leve que esconde traumas ou questões mais profundas etc. O estilo marcado e próprio do cineasta não é segredo para ninguém. Alguns gostam, outros não, mas isso pouco vem ao caso. Conseguiria um diretor com uma assinatura tão peculiar se reinventar a cada nova obra? 

Eis então que penso em uma palavra que pode parecer extremamente distante do cinema de Anderson: sutileza. Não, os seus filmes não são nada sutis, o estilo é evidente e os elementos estéticos parecem se repetir ao longo de sua carreira. Em teoria, é verdade, mas isso não quer dizer que Anderson faça exatamente o mesmo filme sempre. Longe disso, se pensamos em seus primeiros filmes, como "Bottle Rocket" ou "Três é Demais", e comparamos com obras mais recentes, como "O Grande Hotel Budapeste", "A Crônica Francesa" e agora "Asteroid City", fica clara a diferença. É bem verdade que talvez obras como "A Viagem à Darjeeling" ou "A Vida Marinha de Steve Zissou" pouco acrescentam ao cinema de Anderson. Porém, isso parece mudar a cada filme. Não que o cineasta tenha melhorado a cada obra ("O Grande Hotel Budapeste" continua sendo seu melhor filme), só que ele parece ir se libertando filme após filme. Pelo incrível que pareça, essa liberdade não parte de abrir mão de seu estilo característico, pelo contrário, vem de mergulhar na estética como a essência de sua obra.

Dessa forma, se antes o seu estilo já era chamativo, ele ainda existia para servir aos personagens. Pense no romance de "O Grande Hotel" ou na relação principal de "Moonrise Kingdom", por exemplo. É essa preocupação por personagens e os temas que rondam essas figuras caricatas, mas cheias de coração, que vai se tornando secundário na obra de Anderson, enquanto ele parece, após 30 anos de carreira, mas disposto a experimentar e revisitar o seu cinema com a maior liberdade possível. O interessante é que esse caminho em nenhum momento o leva para uma auto exaltação do próprio estilo, o caminho é o exato oposto, é a diversão por criar sem qualquer amarra.

Tal mudança vai se desenhando a cada nova obra e tinha antes em "A Crônica Francesa" o seu ápice. Ao criar toda uma narrativa a partir de uma estrutura de folhetim (tanto história, quanto estética), o diretor já tirava o peso dos personagens, dava liberdade para o seu elenco estelar e enchia o longa de experimentos estéticos pontuais, como o clímax de uma das histórias que substituía o live-action por uma animação 2D sem qualquer preocupação em se explicar. Na época, acreditava ser o máximo de liberdade que Anderson seria capaz de se dar. Após "Asteroid City", vejo aquela obra como um experimento para o que vinha a seguir.

Dessa vez, o cineasta vai a fundo na lógica de fazer um filme sobre o próprio cinema, criando uma metalinguagem que vai muito além daquela mais explícita (personagens saindo de cena e se mostrando no set). Ao construir a cidade que dá nome ao filme, nos mostrar os personagens chegando a ela, vivendo aqueles dias e eventos absurdos, para ao final "desmontá-la", Anderson reforça Asteroid City como uma espécie de produto estético para a execução do seu filme. Ela só existe enquanto o filme ocorre, o montar e desmontar cria essa ideia de início e fim da obra, como o diretor revelando para gente o seu processo criativo.

Assim, ainda que ele não abandone os personagens e eventos, o seu interesse é direcionado quase que completamente para o estilo. Isso justifica o certo grau de aleatoriedade do roteiro, que brinca com a paranóia da Guerra Fria nos estadunidenses apenas como uma desculpa para a inserção de elementos variados do seu cinema, sendo o principal a aparição do extraterrestre. Esse tom conspiratório que Anderson ironiza se torna um prato cheio para o uso de um stop-motion que deixa público e personagens sem saber o que pensar. No fim, é só o c

ineasta se divertindo enquanto nos mostra como é fazer um filme de Wes Anderson. Pode não ser a mais inventiva das suas obras, mas é uma das menos preocupadas e pretensiosas. Mesmo falando sobre si mesmo, o diretor o faz com liberdade. Talvez não divirta todo o público, mas com certeza o realizador teve o maior prazer ao criá-la.

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