|Crítica| 'Broker - Uma Nova Chance' (2023) - Dir. Hirokazu Kore-eda
Crítica por Victor Russo.
'Broker - Uma Nova Chance' - Diamond Films
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Kore-eda até consegue nos aproximar do grupo desajustado, mas a manipulação evidente e o discurso moralista traem o filme constantemente
Apesar da mudança de país, agora se deslocando do Japão para a Coreia do Sul, “Broker” é um filme típico de Hirokazu Koreeda. Assim como o seu último longa e vencedor da Palma de Ouro em 2018, “Assunto de Família”, voltamos a acompanhar uma família não de sangue, mas que se forma situacionalmente e cometendo crimes para sobreviver em um país injusto para com eles. Mais uma vez, há a criança pequena fofa e divertida e os adultos com consciência de seus atos, mas não veem outra escapatória mediante a situação em que se encontram. Até a adoção já estava presente no longa japonês, porém sem o mesmo foco dado ao tema no sul-coreano.
Então, Kore-eda mais uma vez volta o seu olhar para a humanização dessa família. Eles vão se conectando aos poucos, vamos descobrindo informações do passado dos personagens e vamos nos conectando a eles a ponto de entender suas ações e torcer para que eles sejam bem-sucedidos na empreitada. A presença de Song Kang-Ho ajuda bastante nesse sentido, já que o ator mais famoso da Coreia do Sul transborda carisma. Claro que o cineasta não desenvolve tal trama com uma visão simplista. Ainda que por grande parte do filme, a família seja retratada como o lado bom, enquanto a policial obcecada por prendê-los e os mafiosos genéricos são mais do que empecilhos e beiram a vilania, Koreeda tem uma preocupação de debater todas as implicações não só dos atos dos personagens, mas principalmente do futuro desse bebê que tem seu destino sendo decidido. E é justamente aí que o filme mais desliza.
Primeiro, porque o cineasta japonês se trai constantemente em forma e conteúdo. Enquanto o filme tem uma narrativa bastante minimalista, apostando em espaços pequenos e fechados, como uma van velha caindo aos pedaços, o carro das policiais e quartos de hotéis, o que parece bastante acertado, já que o foco é construir essas relações com pequenos momentos e conversas, ele faz questão de expandir o seu tema para discussões extremamente expositivas, ganhando um caráter quase doutrinador e tirando a oportunidade do público de digerir o tema e as ações do personagem. Uma grande prova disso é a cena em que a família janta no orfanato onde um deles foi criado e os que cuidam do lugar dão uma espécie de aula para o espectador sobre as crianças rejeitadas e o futuro que delas são tiradas, diálogos esses que nada têm de natural, indo em direção oposta a proposta do longa.
Algo semelhante ocorre toda vez que o filme sai da família e nos lembra que há outros personagens, nessa espécie de thriller que a perseguição quase nunca é relevante, mas está ali para criar um senso de perigo quase nunca sentido pelo espectador. Essa conveniência no roteiro vai bastante de encontro às escolhas estéticas de Koreeda, que não são apenas manipulativas, são facilmente identificadas pelo espectador como tais. Os diálogos e as atuações parecem implorar para o espectador chorar, e se isso não bastasse, há ainda uma trilha sonora marcada que vai subir em momentos específicos. O que é desenhado então como um filme naturalista com busca na empatia do espectador para com aqueles personagens e um problema real não só da Coreia do Sul, mas, em maior ou menor grau, de todo o mundo, vira um melodrama nada genuíno, que se ainda funciona em muitos momentos é pelo empenho dos atores de buscarem alguma realidade naquilo.
E é aí que chegamos à traição mais evidente de Koreeda para com o próprio filme. Toda a busca por criar uma rede de eventos, atos e discussões mais complexas, ao mesmo tempo que nos leva a ver com bons olhos aquilo que aquela família desajustada faz, é jogada por água abaixo com um final moralista. Como se para tudo dar certo para aqueles personagens, eles devessem ser punidos pelos seus atos, algo para lá de contraditório com toda a proposta de relativizar as ações deles de acordo com o contexto por mais de duas horas. No final, “Broker” pode até emocionar muita gente pelo uso de elementos bastante simplórios e batidos (criança fofa, trilha sonora melodramática, relação pai e filha etc), mas é um filme calculado demais que se vende como natural e casualístico.