|Crítica| 'Blue Jean' (2023) - Dir. Georgia Oakley
Crítica por Raissa Ferreira.
'Blue Jean' / Synapse Distribution
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Solitário e melancólico, longa de Georgia Oakley acompanha uma jornada de aceitação atravessada por políticas conservadoras e preconceituosas
O que se ouve no rádio do carro e o que se vê nos cartazes colados nas ruas são os primeiros sinais de uma campanha contra a população LGBTQIAPN+ promovida por uma das políticas mais detestáveis que já teve algum poder, a de Margaret Thatcher. Assim, logo nos primeiros minutos, “Blue Jean” dá o tom de como o conservadorismo que invadiu o Reino Unido afetará individualmente a vida de uma professora de educação física (Rosy McEwen). O filme constrói gradualmente uma prisão em volta de Jean, que ela mesma levanta com medo do que está do lado de fora, usando sutilezas desse mundo preconceituoso, sem enfrentamentos frontais. A personalidade fechada e discreta da professora vai a isolando numa bolha em que ninguém consegue entrar ou caber, nem mesmo sua namorada Viv (Kerrie Hayes), retratando assim, os efeitos de uma sociedade conservadora em uma pessoa que ainda estava no processo de se aceitar antes de esperar alguma aceitação dos que estão ao seu redor. É como uma interrupção em seu processo, por fatores externos muitos maiores, em que Jean projeta suas próprias dificuldades em uma aluna, já que é comum que algumas pessoas passem por essa fase de aceitação ainda na adolescência, mas a professora só teve a oportunidade de encarar essa jornada já na vida adulta. Dessa forma, o longa isola cada vez mais Jean imageticamente e a cerca com os preconceitos indiretamente, seja a sufocando com pessoas muito próximas proferindo todo tipo de homofobia ou a encurralando com aquelas que já sabem sua verdade tentando adentrar sua pequena bolha. À medida que a situação da própria política do Reino Unido parece se agravar, mais a narrativa se torna melancólica e mais sozinha Jean se torna, nessa condição que barra sua autoaceitação.
Georgia Oakley escolhe olhar para essa situação individualmente, separando os que estão ao redor de Jean entre conservadores ou pessoas da comunidade LGBTQIAPN+ já bem resolvidas com suas condições. Há um grupo de mulheres, muito ativo politicamente, que é a única representação que a professora tem contato, assim, ela está bem no meio de dois pontos, enquanto ainda não conseguiu chegar nesse lugar mais alto de se assumir para si mesma e para todos. Fica claro que Jean se descobriu lésbica após um casamento com um homem, o que a coloca em certa desvatagem em relação à sua namorada e suas amigas. Isso, aliado a uma personalidade muito discreta e sua profissão, que torna ainda mais difícil o enfrentamento às políticas de Thatcher, fazem de Jean uma personagem que, ainda que o longa se aproxime e tente expor seus pensamentos, não quer partilhar seu interior conosco, assim como não quer com o mundo dentro do filme. Existe um respeito nítido da diretora com esse processo, que torna nossa observação esse olhar que quer apenas compreender o que a professora quer partilhar, sem querer investigar sua psique. Portanto, algumas de suas atitudes não são facilmente esperadas, já que só podemos conhecer de Jean o que ela quer, apenas uma pequena parcela do que se passa em sua cabeça.
A relação com a aluna Lois (Lucy Halliday), serve como um aparato - e uma motivação extra - para que a mulher atravesse esse caminho quase juvenil mesmo de se compreender e se aceitar, até por se entender como exemplo de um futuro que essa menina poderia enxergar. E é esse fator que une os núcleos em que Jean transita - o mundo conservador da escola e o mundo fora do armário das lésbicas ativistas - e começa a romper seu isolamento. Ainda que sejam sempre elementos externos e quase distantes que pesem na cabeça da mulher, essa individualização que o filme assume torna o caminho mais interno do que um enfrentamento direto ao mundo, importando mais se Jean conseguirá se assumir para si mesma e como consequência, viver sua verdade, parando de mentir e de se esconder de todos nesse crescente sufocamento. Assim, enquanto vai ficando impossível continuar na sua bolha quase sem ar e Jean começa a caminhar para a aceitação, os elementos que o filme usa para contextualizar todo o Reino Unido na história particular dessa mulher vão transformando seus significados para ela, de uma negação para algo a ser combatido. Se antes ouvíamos constantemente notícias em passagens de rádio e televisão que a professora se esforçava para não encarar, ela começa a ser enfrentada mais frontalmente por esses preconceitos, olhando diretamente para a televisão ou sendo questionada cara a cara por outras pessoas, até, finalmente, se libertar.
Os cartazes nas ruas continuam lá, mas uma resposta dessa comunidade oprimida começa a se expor no momento em que Jean consegue encarar sua verdade, mostrando o individual e a solidão como uma fase desse processo, que se torna um mundo cheio de coletividade no momento em que Jean se abre para ele.