Português (Brasil)

|Crítica| 'BlackBerry' (2023) - Dir. Matt Johnson

|Crítica| 'BlackBerry' (2023) - Dir. Matt Johnson

Crítica por Victor Russo.

Compartilhe este conteúdo:

 

'BlackBerry' / Diamond Films

 

Título Original: BlackBerry (Canadá)
Ano: 2023
Diretor: Matt Johnson
Elenco : Jay Baruchel, Glenn Howerton, Matt Johnson, Rich Sommer, Cary Elwes e Michael Ironside.
Duração: 119 min.
Nota: 2,5/5,0
 

A câmera livre para passear, focar em objetos e se aproximar de rostos nunca vai além das piadinhas e exposição, em um filme que não faz propaganda para uma empresa, mas para um ideal americano capitalista sem qualquer questionamento

2023 parece mesmo se consolidar como o ano em que o cinema hollywoodiano deixou apenas de fazer product placement (quando uma marca compra um espaço no filme para exibir o seu produto teoricamente de forma sutil dentro da narrativa), para investir pesadamente em obras dispostas a abertamente exaltar marcas, algumas vezes, como em “Barbie”, com a própria Mattel financiando e obtendo os lucros dessa espécie de rebranding cinematográfico. Entretanto, diferente de “Air”, por exemplo, que também conta uma história baseada em fatos reais sobre um evento teoricamente emocionante e de superação dentro da Nike, “Blackberry” não busca exatamente exaltar a empresa que dá nome ao filme, já que esta faliu por consequência de fraudes e por ser engolida pela Apple após o lançamento do iPhone. Mas engana-se quem acredita que o longa de Matt Johnson (que além de dirigir faz um personagem importante) nada tem de político ou propagandístico. A questão aqui é que, sob a sombra da história real, a obra torna o discurso do ideal meritocrático americano menos visível.

Nesse sentido, “Blackberry” está mais para um “A Procura da Felicidade” do que para “A Rede Social”, apesar das semelhanças maiores na história, ou “Steve Jobs”, sobre o maior concorrente da trupe de Mike Lazaridis (Jay Baruchel) aqui retratada. Por mais que no final desses 12 anos de história, desde a invenção do celular que dominou o mercado mundial, até a destruição da empresa, vemos aquele sonho inicial desmantelado, o ideal de que basta você acreditar e se esforçar para vencer na vida segue presente. No fim, mesmo com a empresa quebrada, os personagens não sofrem danos maiores, ficam milionários e, principalmente, perdem a disputa com a Apple porque a empresa de Jobs foi mais astuta e capaz (segundo a visão do filme). Toda aquela bobagem do mercado se regular sozinho e o melhor vencer que a gente conhece bem. Isso em nada apaga essa história de superação do gênio americano que não tinha um centavo, mas pelo esforço e habilidade conseguiu crescer na vida, com a ajuda, é claro, de alguém com conhecimento do mercado e das grandes empresas. Não há uma autocrítica nem em como esses personagens agem, muito menos em como funciona essa ilusão capitalista. Pelo contrário, há uma exaltação desse modelo, enquanto a China (óbvio) é colocada como a maior vilã e responsável pelo fracasso da empresa, algo no mínimo contraditório para um filme que valoriza a exibição de “Eles Vivem” e glorifica funcionários trabalharem 80 horas semanais sem remuneração e condições de trabalho adequados (quando esse mesmo discurso americano aponta o dedo para o país asiático e suas condições de trabalho), com direito a tudo sendo resolvido no grito o tempo todo.

Ainda assim, a comparação com “À Procura da Felicidade” e outros filmes oscar bait baseado em fatos reais talvez não seja tão justa. Isso porque “Blackberry” ao menos tenta fugir dessa fórmula estética pronta para premiações, o que, curiosamente, o insere em um novo modelo bastante recorrente em filmes americanos mais independentes, aclamados em festivais como Sundance, que cada vez mais agrada o prêmio da Academia hollywoodiana. Só que até essa decupagem com uma câmera que parece ter vida própria para passear pelos espaços, dar zooms chamativos ou mesmo abandonar o personagem principal em cena para focar em um objeto ou personagem secundário a fim de passar uma informação (como quando um jornal ao fundo mostra que o protagonista era um jovem prodígio que abandonou a faculdade) ou criar uma piada (sendo a principal, a que apenas uma mulher é focalizada dentro daquele ambiente dominado por homens), na maior parte do tempo pouco faz ou diz. Parece mais um olhar enviesado que segue sem questionar essa cartilha da sátira contemporânea, de nomes como Adam Mckay, Jay Roach e Mark Mylod. Por sorte, Johnson nunca se acha tão esperto e nem se põe no pedestal que um Mckay ou Ruben Östlund se coloca, fazendo “Blackberry” soar até meio inocente e muitas vezes fazendo o espectador esquecer que está diante de uma sátira. É bem verdade que isso acaba por acontecer não só pela falta de peso dessa câmera viva, mas porque o cineasta parece realmente acreditar ou se sentir confortável com aquilo que teoricamente estaria criticando, sendo a atuação de Glenn Howerton (como Jim Balsillie) o ápice disso. Apesar de ser uma espécie de vilão que divide os amigos, muda a empresa, se usa de tudo para benefícios próprios e, principalmente, maltrata todos próximos dele, há uma latente simpatia do filme pelo personagem, sendo até o que recebe maior destaque emocional e transformando seus gritos em piada inocente.

"Blackberry” então vende a sua ideia sob essa nova fórmula de contar histórias baseadas em fatos reais, tropeçando em seu próprio discurso e deixando pelo caminho algumas boas piadas que serão rapidamente esquecidas. Não é um fracasso, mas faz sentido que o seu sucesso venha justamente nos Estados Unidos, já que é para lá que o longa canadense é realmente vendido.

Compartilhe este conteúdo: