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|Crítica| 'Bizarros Peixes das Fossas Abissais' (2024) - Dir. Marão

|Crítica| 'Bizarros Peixes das Fossas Abissais' (2024) - Dir. Marão

Crítica por Victor Russo.

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'Bizarros Peixes das Fossas Abissais' / Sessão Vitrine

 

Título Original: Bizarros Peixes das Fossas Abissais (Brasil)
Ano: 2024
Diretor Marão
Elenco : Natália Lage, Rodrigo Santoro e Guilherme Briggs.
Duração: 75 min.
Nota: 3,5/5,0

 

O non-sense mais se aproxima da fantasia de contos infantis e cria um mundo de possibilidades imaginativas do que estabelece qualquer restrição pela incompreensão

À primeira vista, “Bizarros Peixes das Fossas Abissais” pode ser estranho e soar como uma animação adulta, o que ela até é em algum nível, sobretudo com algumas piadas que refletem diretamente a nossa vida cotidiana (como a envolvendo a construção do metrô no Rio de Janeiro), mas, aos poucos, o estranhamento das duas sequências iniciais, que têm como únicas falas “Meu nariz, minha napa” e “Minha bunda é um gorila”, começam a estabelecer algum tipo de compreensão, não necessariamente dos rumos da narrativa, mas nessa dinâmica bastante aberta que o non-sense permite. Isso porque, mais do que uma proposta surrealista, Marão busca nesse mundo de infinitas possibilidades a fantasia das histórias infantis. É quase como se ele fosse um pai contando uma história para o seu filho dormir, porém, sem um livro em mãos, fosse obrigado a inventar cada elemento que vem a seguir, de imediato, lógica essa aplicada à história e, principalmente, ao próprio poder da protagonista. 

Tal dinâmica enriquece não só a narrativa e todas as possibilidades visuais, mas se torna uma discussão sobre a própria criatividade. Quando tudo pode ser e faz sentido neste mundo, das mudanças que ocorrem nele após o uso dos poderes, passando pelos próprios poderes e antagonistas, até todo um universo novo quando o filme é levado para as fossas abissais, ainda assim, nada de realmente novo é criado. Ou melhor, tudo de novo que surge vem a partir de elementos existentes. Os rinocerontes espaciais que soltam suco de graviola sem açúcar ainda são rinocerontes, os poros que viram vacas ainda são vacas, assim como a bunda que se transforma em gorila ou o lóbulo que vira um pato. Os próprios peixes das fossas abissais vão se apoiar em animais existentes (tubarão, polvo, camarão) ou em ideias pré-existentes de monstros marinhos. Assim, essa criação que parece improvisada tudo tem a ver com a própria ideia do fazer artístico. Por mais inovadora que possa parecer, ele nunca existe do zero, e, sim, a partir de referências que nós temos, podendo adaptá-las mais próximas ou mais distantes da figura original, mas sem nunca abandonar aquilo que já está posto no mundo e na arte. 

Ao entender essa concepção primordial da criação, Marão amplia o seu mundo de possibilidades a partir da adaptação evidente, criando graça justamente com o absurdo que parece elementos tão familiares aparecem de formas ou por meio de combinações tão inusitadas. Assim, a finalidade dramática e filosófica da história parece distante de todo o processo, servindo como uma forma de nos fazer torcer pelo grupo de heróis inesperados, mas, principalmente, permitindo que o filme seja muito mais sobre a elaboração dessa criatividade do que sobre o tema ou a moral da história. Isso fica muito claro quando o longa permite uma autotransformação nas fossas abissais, em uma longa sequência que quase ignora a história e o objetivo dos personagens, fazendo aquele lugar tomar uma vida própria, com um tempo e traço completamente particular e diferente do visto até então na obra. O que soa como uma pausa na urgência narrativa se revela como a própria essência da animação.

Dessa forma, essa ode ao criar consegue captar os mais diferentes públicos que vão achar graça pelos mais diversos motivos, justamente ao encontrar uma maturidade nessa fantasia mais juvenil, não recorrendo a muitas explicações, mas percebendo que esse mundo de possibilidades é o que conecta a mente do pai que precisa entreter com a do filho pronto para ser fascinado.

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