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|Crítica| 'Bem-Vindos De Novo' (2023) - Dir. Marcos Yoshi

|Crítica| 'Bem-Vindos De Novo' (2023) - Dir. Marcos Yoshi

Crítica por Raissa Ferreira.

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'Bem-Vindos De Novo' / Embaúba Filmes

 

Título Original: Bem-Vindos De Novo (Brasil)
Ano: 2023
Diretor: Marcos Yoshi
Elenco : -
Duração: 105 min.
Nota: 4,0/5,0

 

Com uma abordagem intimista, Marcos Yoshi torna o espectador cúmplice e observador enquanto adentra aos poucos no mundo de uma família quase desconhecida

Há uma evolução notável no documentário de Yoshi que acompanha o passar dos anos e sua relação com a família ali retratada. Ao escolher mostrar intimamente os momentos vividos, as preocupações técnicas não são prioridades. O aparato cinematográfico não se esconde e não existe um preciosismo nos planos, a maior preocupação é adentrar nas emoções e compreender coletivamente as relações familiares. É possivelmente o maior mérito e o coração da obra, a forma como Yoshi convida o espectador a partilhar essa experiência com ele, diretor e também objeto de sua obra, não apenas refletido em suas escolhas e entrevistas, mas também ao dividir suas próprias emoções. Ao unir imagens de arquivo com suas próprias filmagens já focadas no longa, ele monta um quebra-cabeça de conexão com uma família um tanto partida e de seu próprio desejo de contar ao mundo uma história maior que a de seus pais, de imigrantes e relações trabalhistas, mas acima de tudo, sobre um sistema de crise que remove a humanidade, transformando pessoas em engrenagens de um ciclo que as adoece e parece impossível de escapar. Embora o afeto abrace boa parte do filme, uma grande tristeza marca essas relações e tudo que elas representam.

O estranhamento com a família que acaba de retornar se mescla a um sentimento de abandono da adolescência, assim como toda uma vida retratada em imagens guardadas e uma narração distante se mesclam a filmagens ensaiadas, abraços desajeitados e momentos montados para a câmera. Yoshi cria ao longo de seu filme uma aproximação gradual, que vai desse estranhamento inicial a uma crescente de empatia e afeto, dentro e fora do longa. Aos poucos, pedaços da vida são encaixados, num exercício de observação silenciosa dos reencontros e de escuta dos sentimentos de irmãos que parecem pouco ter falado sobre os assuntos antes das câmeras surgirem e o documentário realmente iniciar. Ainda que o aparato seja evidente, e Yoshi não esconda a intenção de suas entrevistas, há uma naturalidade nas conversas com as irmãs que aproxima aos poucos o espectador. Assim, alternamos entre momentos que nos sentimos sentados na mesa conversando com eles e momentos em que o diretor parece nos posicionar escondidos, olhando por uma fechadura, testemunhando os segredos e intimidades mais particulares de sua família.

É como um convite a ser cúmplice de Yoshi numa jornada de decifrar os pais quase desconhecidos, e o sistema que os aprisiona, na janela de tempo que pôde passar com eles, por vezes cruel, muitas vezes doloroso, mas sempre muito honesto e sincero. O diretor compartilha suas dúvidas éticas com o público tanto quanto percebe o poder daquelas imagens, expondo as vulnerabilidades de pessoas que quase não eram humanas de início. Os pais que antes eram fotos e ideias distantes, se tornam pessoas tristes e confusas, dilaceradas por um ideal capitalista de “fazer dar certo”, de sustentar seus filhos e netos, nem que isso os custe a vida e as próprias relações com eles. Ao mesmo tempo em que notamos a passagem do tempo e as evoluções, sentimos a intimidade aumentar e tudo se tornar mais autêntico entre filhos, irmãos e pais, mas também vemos o sistema consumir mais a cada crise que ele mesmo gera. O sofrimento do pai que se vê fracassando a cada negócio que dá errado chega ao ponto da precarização atual que vivemos, quando o homem compartilha sua experiência como motorista de aplicativo, por exemplo.

Passando pelas tristezas e perdas de sua família, Yoshi estreita laços com essas pessoas enquanto avança com seu filme, como se usasse a câmera como uma ferramenta para olhar, sentir e perdoar. Como consequência, proposital ou não, a obra escancara um mundo frio e solitário, onde ganhar o pão de cada dia tem que estar acima dos afetos partilhados em família. Ganhar a vida, custe o que custar, significa perder muito, mas é uma questão de honra para essas pessoas. Se é possível sentir quase um rancor de abandono no começo do filme, ao final o adolescente que cresceu parece ter compreendido muito seus pais por meio de suas filmagens. A técnica do longa vai se tornando mais apurada e os momentos finais soam mais poéticos, somos convidados a nos afastar dessa história agora, a vida continua, as máquinas seguem a rodar com suas engrenagens humanas e ficamos com todas essas emoções e questionamentos sobre esse sistema quase sem saída, mas tudo com que Yoshi precisava lidar com seu filme volta a ser íntimo, no mundo particular deles. 

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