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|Crítica| 'Belfast' (2022) - Dir. Kenneth Branagh

|Crítica| 'Belfast' (2022) - Dir. Kenneth Branagh

Crítica por Victor Russo.

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'Belfast" / Universal Pictures

 
 
Título Original: Belfast (UK)
Ano: 2022
Diretor: Kenneth Branagh
Elenco : Jude Hill, Caitriona Balfe, Judi Dench, Jamie Dornan e Ciarán Hinds.
Duração: 98 min.
Nota: 3,5/5,0

 

Em “Belfast”, Kenneth Branagh olha para o seu passado com simplicidade e paixão, interessado em resgatar suas memórias e despreocupado de buscar uma grande mensagem.

Branagh é um diretor de carreira curiosa. Iniciando no cinema como ator, ele rapidamente ganhou reconhecimento no começo dos anos 1990 dirigindo adaptações de obras importantes, como os ótimos “Frankenstein” (1994) e “Hamlet” (1996). Desde o começo da carreira atrás das câmeras (e muitas vezes na frente também, já que atua em vários de seus filmes), o cineasta sempre se mostrou confortável com abordagens esteticamente chamativas, em longas grandiosos e cheios de movimentos de câmeras rebuscados. Só que, longe de ser um mero esteta, ele sempre encontrou uma coesão estilística muito grande em suas obras mais autorais (veja, por exemplo, como ele encontra rimas visuais interessantíssimas em cada uma das mortes em “Frankestein”). 

Entretanto, Branagh se afastou por mais de uma década das adaptações de peças e livros clássicos e passou a trabalhar constantemente em grandes blockbusters, sobretudo da Disney. Veio então a queda de sua carreira, com filmes como “Thor”, “Cinderella”, “Jack Ryan: Operação Sombra” e o terrível “Artemis Fowl”. E, por mais que ainda fosse possível ver um pouquinho de Branagh em algumas dessas obras, sobretudo no design de produção e tom mais shakespeariano das duas primeiras, no final do dia, ele se contentou em mantê-las em um campo mais genérico que agrada o estúdio mais rico do mundo.

Porém, aos poucos, o cineasta parece disposto a redescobrir o seu verdadeiro cinema, ainda que nenhum dos seus últimos filmes cheguem próximos da qualidade do começo da carreira. Vimos então o interesse do diretor se retornar mais uma vez para as adaptações literárias ao trazer novas versões de “O Assassinato no Expresso Oriente” e “Morte no Nilo”, de Agatha Christie, onde voltou a encontrar uma certa liberdade, mesmo ao trabalhar com grandes estúdios (Fox/Disney), e, agora, regressa a sua própria infância para fazer o seu filme mais pessoal com “Belfast”.

Esse talvez seja um filme que mais perca do que ganhe ao ser considerado um dos favoritos ao Oscar 2022. Isso porque tal status cria uma atenção exagerada do público com a expectativa de uma grande obra com uma mensagem impactante. Mas esse está longe de ser interesse de Branagh, que demonstra uma preocupação muito mais íntima e apaixonada. 

Em certa medida, há uma relação muito forte entre esse longa e o também indicado ao Oscar 2022 “A Mão de Deus”, de Paolo Sorrentino. Ambos resgatam uma forma de narrativa meio esquecida, a do filme-memória, em que o interesse se volta muito mais para momentos que marcaram a infância e amadurecimento do protagonista “cinebiografado”, do que necessariamente para uma progressão narrativa ou grande lição relevante a ser tirada.

"Belfast” acaba sendo injustiçado pela própria visão que se criou na crítica e se espalhou pela cinefilia e pelo público um pouco mais interessado em cinema. Essa ideia sem pé nem cabeça de que um filme tem que ser importante e ter uma grande mensagem. Não faltam críticos dizendo que o longa é “vazio” ou “sobre nada”. E, até certo ponto, é mesmo, mas não há nenhum problema nisso.

A verdade é que toda a abordagem de Branagh vai se voltar para o conforto das memórias, seja na escolha de um preto e branco mais suave, sem tanto contraste, que faz do cinza uma alternativa para a suavidade, ou no uso de uma decupagem repleta de planos longos e travellings que olham para o espaço retratado com carinho. Até quando Branagh aposta em uma decupagem com mais cortes, para reforçar a tensão das cenas, por exemplo, no uso de closes, câmera lenta e contra-plongée, quando o pai do garoto confronta o líder local, a direção tira o realismo mais sério da cena pelo exagero da composição do plano.

Mas o elemento de linguagem que mais reforça o interesse de Branagh em suas memórias é a montagem. Em nenhum momento essa busca uma fluidez ou progressão narrativa. Pelo contrário, o filme parece sempre pular por momentos marcantes do protagonista: uma espiada na conversa dos pais, um diálogo mais engraçado com os avós, as travessuras ao lado da amiga, a primeira paixão pela colega de sala, as referências ao cinema, sobretudo ao western que se faz presente como piada na própria vida do personagem posteriormente (o “duelo” entre o pai e líder do bairro”), e por aí vai.

Dessa forma, Branagh constrói um filme-memória bem suave e harmonioso, dando foco aos momentos e usando do conflito religioso em “Belfast” apenas como um pano de fundo que o protagonista é incapaz de entender por completo, como se a pureza e inocência do garoto revelassem a falta de sentido daquela guerra.

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