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|Crítica| 'Beau Tem Medo' (2023) - Dir. Ari Aster

|Crítica| 'Beau Tem Medo' (2023) - Dir. Ari Aster

Crítica por Victor Russo.

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'Beau Tem Medo' / Diamond Films

 

Título Original: Beau Is Afraid (EUA)
Ano: 2023
Diretor: Ari Aster
Elenco :Joaquin Phoenix, Patti LuPone, Amy Ryan, Parker Posey, Nathan Lane e Armen Nahapetian.
Duração: 179 min.
Nota: 1,5/5,0
 
 

“Beau Tem Medo” começa bem ao lidar com as sensações de forma direta, mas vai se perdendo ao rejeitar gradualmente tal abordagem em prol de um drama psicológico sustentado por metáforas e referências vazias

Apesar de ser um dos cineastas a reforçar o discurso elitista da A24 do “pós-terror”, ao dizer que os seus filmes não são de terror, mas dramas, na prática, os longas de Ari Aster sempre demonstraram o contrário. Tanto o ótimo “Hereditário” quanto o bom “Midsommar” são obras que não rejeitam nem diminuem o gênero de terror. Pelo contrário, conseguem lidar bem com as questões psicológicas das personagens, seus traumas, os diversos simbolismos, mas sem nunca deixar pensar no lado mais sensorial do terror, o que o diretor sempre fez bem pela tensão, apreensão e até de maneira bem gráfica em seus dois filmes anteriores.

Para ser justo, ele prova mais uma vez que é talentoso o suficiente para expressar seus temas cinematograficamente a fim de instigar emoções no público. Durante quase uma hora, leva-nos por um caos angustiante que por um lado justifica o surrealismo ao olhar para a confusão mental do protagonista, por outro, nos atira para a situação, fazendo o público nem sequer perguntar quem é aquele cara e já se posicionar ao lado dele de tão desesperadora que é a situação. A pergunta não é nem o que é ou não real, já que claramente quase nada ali existe naquele mundo, mas como aquele personagem conseguirá superar aquela sucessão de eventos, decupado de forma ainda mais desesperadora pelo ponto de vista do personagem, seja de longe ou com panorâmicas rápidas.

Só que justamente essa abordagem mais frontal do primeiro ato capaz de transformar discurso em impacto sensorial vai sendo abandonada durante o longa, sobretudo após a passagem do personagem pela casa de uma família esquisita. Entramos então em uma espécie de odisseia, gerando um caráter episódico e tornando a divisão em atos quase inexistente (o que está longe de ser necessariamente o problema). A questão é que o filme vai perdendo a vida a partir de então, já que Aster tenta sustentá-lo apenas por meio de metáforas, choques e planos bonitos. O surrealismo que funcionava tão bem nas primeiras sequências vai se tornando uma espécie de fetiche vazio, o terror é abandonado completamente e resta apenas um drama psicológico meio "estranho".

Só que tal estranheza nada tem de genuína. Pelo contrário, ela existe apenas para fazer a megalomania supostamente profunda de Aster soar diferente. Como se criando um conto de fadas sombrio, com personagens sem rostos e Beau revisando uma vida que não sabe se é a sua, ou transformando o pai dele em um pênis gigante (piada de quinta série, por sinal), faz do filme algo mais elevado por obrigar o espectador a decifrar os seus muitos simbolismos. É bobagem, não só pela visão elitista de rejeição do gênero puro (aqui, além do terror, Aster rejeita também o melodrama), como se uma abordagem mais direta fizesse do filme mais simplório, como principalmente porque o próprio filme é extremamente verborrágico e torna suas discussões super evidentes, mesmo que não perceba ou tente esconder tal abordagem sob a armadura das metáforas.

ria-se então uma espécie de odisseia pêndulo, ora tentando ser indecifrável por meio de elementos estranhos e personagens absurdos, ora beira a simplicidade extrema ao colocar personagens explicando tudo (ainda que aqui sempre tenha algum elemento bizarro, seja um personagem sem rosto ou atuações exageradas para mais uma vez dar um ar de superioridade ao filme).

Essa busca por uma espécie de arte superior faz mal ao andamento narrativo do longa, não só porque esvazia as temáticas pela repetição ou recusa da frontalidade, como principalmente rompe com qualquer unicidade que a obra poderia ter. Semelhante ao que Alejandro Iñarritú fez em “Bardo”, outra obra que tenta se sustentar por discussões metafóricas que rompem com o mundo real, mas, no fim, soa apenas como o diretor batendo palma para si mesmo, “Beau Tem Medo” faz do surrealismo apenas uma muleta para sustentar uma narrativa dispersa. Tal escolha permite que o longa crie suas cenas bizarrinhas, já que não é necessário a elas ter qualquer tipo de conexão. Basta criar um episódio que pareça poético e esquisito que Aster já se dá por satisfeito. Porém, esse andamento não só tira o peso de cada uma dessas sequências, como anula toda a intensidade do longa e torna Beau um personagem distante e apático, fazendo de Joaquin Phoenix um mero acessório de cena sem qualquer personalidade.

Além disso, é justamente essa falta de unidade que deixa Aster se divertir com uma porrada de referências, transformando o longa em várias coisas diferentes pelo caminho. O problema, mais uma vez, é que o filme nunca consegue retomar a intensidade da primeira hora, ele fica distante apenas discursando, enquanto tais referências não passam de piscadinhas vazias, como as mais claras feitas aos filmes de David Cronenberg ou a “O Show de Truman”, a segunda mostrando mais uma vez como Aster não confia no seu público e precisa explicitar o que já estava entendido.

No fim, fica o gosto amargo de um filme que promete nos primeiros minutos, entretanto prefere se entregar ao caminho teoricamente mais “artístico”. É uma pena para a obra em si, mas principalmente para esse rumo que a A24 parece ter fortalecido em seus diretores de destruição do terror e demais gêneros. Aster, como Garland ano passado ou Iñarritú anos antes, parece ser mais um diretor que deixou o sucesso subir à cabeça e ignora o potencial sensorial do cinema em prol de uma suposta profundidade estética e temática, mas que no fim só mergulha em um vazio pomposo e fetichista incapaz de gerar qualquer sentimento no público além de um discurso pseudo complexo.

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