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|Crítica| 'Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades' (2022) - Dir. Alejandro G. Iñárritu

|Crítica| 'Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades' (2022) - Dir. Alejandro G. Iñárritu

Crítica por Victor Russo.

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'Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades' / Netflix

 

Título Original: Bardo, Falsa Crónica de Unas Cuantas Verdades (México)
Ano: 2022
Diretor: Alejandro G. Iñárritu
Elenco : Daniel Giménez, Griselda Siciliani e Ximena Lamadrid.
Duração: 159 min.
Nota: 1,5/5,0
 

Alejandro G. Iñárritu faz da sua autobiografia um show de exibicionismo vazio, tanto em estética quanto em discurso

Exibido pela primeira vez em Veneza e candidato do México para o próximo Oscar, o novo longa da Netflix traz um diretor dobrando a aposta em sua falta de humildade e certeza de genialidade. “Bardo” surge como uma espécie de autobiografia não declarada (mas escancarada) que se usa do surrealismo muito mais como uma forma de compor planos vistosos do que por uma capacidade do cineasta de realmente adentrar sua própria mente e se revelar para o público.

Ainda assim, de certa forma, Iñárritú consegue se abrir para nós no processo, mas o que se revela a partir disso é justamente aquilo que já sabíamos: que o ego inflado impregnou seu cinema e o levou para um caminho que parece sem volta. 

Então, até quando o diretor parece querer explorar seus traumas e lutos, como a perda de um filho no parto, cena que abre o longa, ele o faz menos com um envolvimento emocional e mais na ânsia de chocar, tornando o acontecimento ainda mais bizarro e transformando-o em piada, com o retorno da criança para dentro da mãe, o que era para ser uma sacada espertinha, mas é só puro mau gosto mesmo. Não bastasse isso, ele ainda transforma, como tudo no filme, o trauma em estética, com o rastro de sangue se alongando pelo hospital, enquanto a câmera se move lentamente em um travelling. O famoso choque pelo choque.

Dessa forma, qualquer sensação mais forte que a sequência poderia (e pretendia) demonstrar é esvaziada. Tal momento acaba por ser um resumo do filme, que sempre vai partir de um discurso que visa a profundidade, aproxima-se dela, e depois joga tudo por água abaixo, já que Iñárritu não consegue se conter e sempre sente a necessidade de demonstrar o quão hábil é em compor seus planos ou em fazer comentários sociais e sobre arte. Só que, no fim, ele se faz presente da pior forma possível, transformando a obra em um mundo de marionetes em que vemos as cordas e quem as conduz.

Tais escolhas impossibilitam a imersão do espectador por essa viagem introspectiva pela mente do cineasta. Não só porque é difícil ver qualquer introspectividade quando o longa demonstra uma necessidade infinita de tornar tudo grande, chamativo e pomposo demais, mas, principalmente, pois esse apoio do longa pelo surrealismo nada tem de realmente surrealista. 

Isso porque a essência do gênero que tudo tem a ver com uma viagem sensorial pelo mundo dos sonhos e pela mente humana, aqui é só desculpa. Se o diretor diminui o seu alter ego para uma miniatura cabeçuda, é apenas porque sabe que aquilo vai soar bizarro. Se quebra os espaços e o tempo, é porque tem a ânsia de falar aleatoriamente sobre todas as temáticas que deseja. Se inunda um vagão e transforma os peixes em criaturas bizarras, não é por ter algo de interessante, mas porque isso vai soar “fora da caixinha”. Não há a naturalidade do surrealismo, aquela ideia de um mundo que vai se metamorfoseando em tela ao seu bel prazer. Tudo é controlado demais, é calculado demais. É como se Iñárritu mirasse em David Lynch ou Alejandro Jodorowsky e acertasse em Christopher Nolan.

Só que, se o cineasta já tem uma dificuldade imensa de não tornar sua estética apenas exibicionismo, tudo ainda piora quando ele para o filme a fim de debater as temáticas que deseja por meio de longos diálogos. É quando o show de horrores realmente começa e ele escancara de vez que, ao invés de fazer uma sessão de terapia, ele preferiu realizar um filme para contar o que sente, enquanto se colocava em um pedestal no processo. Chega a ser chocante como, até quando fala sobre o que pensa e sente, Iñárritu não consegue ser honesto. Ou talvez seja honesto demais e ele apenas se ache um gênio incompreendido mesmo.

Fica evidente que ele claramente não superou o fato de uma parte da cinefilia e da crítica rejeitarem suas obras mais premiadas, rotulando-as como egóicas e superficiais. Com isso, o cineasta faz questão de retornar a uma cena quase idêntica (tematicamente) a de “Birdman”, só para dizer verbalmente que a crítica não entende suas obras e por isso falam mal dele. Não é só uma aula de como ter um ego maior que o mundo, mas também prova mais uma vez que o cineasta nem sequer entende o que é a crítica de cinema. 

Porém, aqui, ele pelo menos tenta esconder a própria arrogância ao criar esse protagonista meio imperfeito, com um discurso que tenta ser ambíguo, por um lado, falando mal de quem o critica, por outro, mostrando que parte dessas críticas podem ser justificadas e o cineasta que não sabe lidar com elas. Mas fica claro que Iñárritu acredita muito mais no primeiro, fazendo questão de redimir o protagonista, enquanto todos os que o rejeitam ficam presos a meras caricaturas vilanescas e incapazes de argumentar com ele em pé de igualdade.

E se não bastasse tudo isso, o diretor ainda martela por mais de 2h o seu problema consigo mesmo de gente branca, bem sucedida e cheia de grana, não a fim de discutir o tema, mas de se colocar mais uma vez na posição de vítima. Coitadinho desse diretor premiado que viveu e enriqueceu nos Estados Unidos e pouco fez pela sua pátria, não é mesmo? E é esse autovitimismo que consegue reduzir até mesmo o tema mais interessante do longa a quase nada, tudo aquilo que envolve as relações atuais e históricas de poder dos Estados Unidos sobre o México se perdem e são direcionadas para o cineasta e sua insegurança.

No fim, “Bardo” não passa de 2h30 de Iñárritu falando sobre si mesmo e o quanto se sente injustiçado, incompreendido, traumatizado e frustrado. E, para isso, faz questão de mostrar sua capacidade de executar planos longos (em que o único que realmente funciona é quando o diretor abre mão do pedantismo e se entrega a uma divertida e intensa cena de dança na balada), criar cenários coloridos e desconstruí-los e, principalmente, nos chocar por um suposto surrealismo calculado. Ele pode aplaudir a si mesmo por tudo isso, mas, para o espectador, não passa de uma sessão de tortura de quase três horas.

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