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|Crítica| 'As Bestas' (2024) - Dir. Rodrigo Sorogoyen

|Crítica| 'As Bestas' (2024) - Dir. Rodrigo Sorogoyen

Crítica por Victor Russo.

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'As Bestas' / Pandora Filmes

 

Título Original: As Bestas (Espanha)
Ano: 2024
Diretor Rodrigo Sorogoyen
Elenco : Marina Foïs, Denis Ménochet, Luis Zahera, Diego Anido e Marie Colomb.
Duração: 138 min.
Nota: 4,0/5,0
 

O mesmo sistema controlado por um capital invisível que coloca umas pessoas contra as outras não se apresenta como resposta, a ponto de nem a imagem servir mais como mediador da verdade, restando apenas o espectador como testemunha ineficiente

Desde as primeiras provocações verbais dirigidas a Antoine (Denis Menochet), por homens bêbados em uma taverna escura, “As Bestas” se apresenta como um filme de gênero, um thriller que convida o público a testemunhar cada pequena agressão, importante para conceber essa sensação de tragédia anunciada. São personagens presos no mesmo espaço, obrigados a conviver sem um vislumbre de harmonia. O sentimento de sufocamento vai crescendo a partir do momento em que não parece haver uma saída para o conflito. Resta apenas o confronto físico e a hostilidade, quando o diálogo não é mais uma opção.

Então, Rodrigo Sorogoyen constrói sua força dramática pelo que há de mais sensorial, nos espaços fechados, escuros e isolados, na trilha sonora que anuncia o thriller antes mesmo da premissa estar completamente clara, em cada hostilidade dirigida a Antoine, das que vemos, como a tensão no bar, até o que só descobrimos o resultado com o personagem, como a colheita perdida, a urina nas cadeiras e as garrafas deixadas como aviso. Porém, a animosidade se fortalece no subtexto, na recusa a um maniqueísmo, que se dá sobretudo na presença de elementos invisíveis de um sistema que estimula o conflito, mas não se oferece como regulador. Não vemos quem é a grande corporação estrangeira que oferece dinheiro pela terra dos personagens, nem sequer sabemos se esse dinheiro é tão pouco quanto Antoine defende ou se poderia dar uma vida melhor aos irmãos e todos os demais moradores dali. A polícia, como essa figura do estado que deveria mediar a situação e assegurar direitos, pouco faz para impedir o conflito e menos ainda para buscar respostas. Nem sequer a imagem filmada, uma representação da verdade (não que seja, mas é como o mundo passou a ver tal artifício), tem utilidade. Somos nós os únicos que sabemos o que aconteceu, mas pouco podemos fazer do nosso lugar de conforto afastado a o mundo do filme. Somos observadores ineptos.

Sorogoyen percebe o potencial do thriller para causar indignação no público como a melhor forma de nos fazer perceber a desunião dos cidadãos como resultado do controle do capital. A violência nem sequer precisa ser diretamente estimulada pelo sistema, ela simplesmente nasce como o que há de mais primitivo no ser humano. A construção de uma sociedade baseada no individualismo não permite a união, o outro passa a ser sempre uma ameaça e qualquer necessidade de consenso vira desentendimento. As diferentes nacionalidades se tornam um impeditivo (esse mesmo sistema fortalece esse sentimento de nacionalismo e de barreira geográfica), as diferentes culturas e conhecimentos são transformados em ódio e mesmo a semelhança de classes sociais (todos ali trabalham em suas propriedades a fim de sobreviver de elementos naturais) se torna imperceptível. Para quem controla o dinheiro, é necessário ter uma base desunida, se matando entre si. 

Torna-se mais fácil perceber mocinhos e vilões na base dessa pirâmide, de acordo com as próprias leis do sistema e de convivência. O catalisador do conflito nunca é citado, resta aos que sobreviverem a esse mar de ódio enxugar as lágrimas e tentar buscar uma conciliação entre os da mesma classe. E nós seguimos ali, sofrendo ao lado de Olga (Marina Fois), sabendo mais do que ela e incapazes de dar-lhe uma resposta que, no fundo, ela já sabe, só não pode provar.

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