Português (Brasil)

|Crítica| 'Armageddon Time' (2022) - Dir. James Gray

|Crítica| 'Armageddon Time' (2022) - Dir. James Gray

Crítica por Victor Russo.

Compartilhe este conteúdo:

'Armageddon Time' / Universal Pictures

 

Título Original: Armageddon Time (EUA)
Ano: 2022
Diretor: James Gray
Elenco : Banks Repeta, Anne Hathaway, Jeremy Strong, Anthony Hopkins e Jaylin Webb.
Duração: 114 min.
Nota:4,5/5,0

 

James Gray reconhece a covardia da classe média em um filme que ganha força ao assumir um melodrama genuíno

A um primeiro olhar, obras como “Z - A Cidade Perdida”, “Amantes”, “Era Uma Vez em NY”, “Ad Astra” e “Armageddon Time” pouco têm em comum. Filme de expedição na floresta, romance melodramático, drama histórico sobre imigração, ficção científica e agora uma espécie de autobiografia bastante política. Gray já trafegou por diversos gêneros e subgêneros pela carreira, mas tudo que esse filmes podem soar incomuns inicialmente, eles se unem por aquilo que o diretor tem como sua maior virtude: o coração no lugar certo.

Assim, importa menos sobre o que os filmes de Gray são e mais sobre a emoção que eles são capazes de transmitir. Independente do gênero, da ambientação ou da época que se passa, a câmera do cineasta parece sempre mais preocupada em olhar para o personagem (ou personagens) naquele momento específico e nos jogar para próximo deles. Em “Armageddon Time” não é diferente.

Gray adota então uma decupagem bastante clássica, o que é bastante notável em uma cena do primeiro ato da família reunida e discutindo, em que o diretor pouco inventa e resume tudo em cortar entre os personagens da forma mais simples e econômica possível. Diferente de cineastas que chamam atenção por escolhas mais expressivas, Gray parece não querer ser notado, aceitando sua posição de maestro que opera cada movimento às escondidas, e permitindo ao seu elenco dominar a tela e nos encantar.

É dessa forma que a relação entre Paul Graff (Michael Banks Repeta) e Johnny (Jaylin Weeb) ganha vida, como uma amizade forte que parece ser desafiada por aquele mundo. Repeta libera aí o seu lado mais ousado, como se fossem os pequenos momentos que ele realmente saísse de sua zona de conforto. Por outro lado, quando com seu avô (Anthony Hopkins), os ensinamentos mútuos parecem desacelerar o tempo, como se o filme reconhecesse o pouco tempo de vida do personagem de Hopkins e quisesse aproveitar aqueles pequenos momentos da forma mais aconchegante possível. O que contrasta bastante com a agressividade do menino para com a mãe (Anne Hathaway) e o medo para com o pai (Jeremy Strong).

Mas, por mais que passe por elementos de diversos gêneros, Gray está mesmo interessado no melodrama, com o qual lida como poucos na atualidade. O filtro meio sépia, até bastante batido e brega para retratar memórias, acaba funcionando nessa conexão entre personagens e espectador. Isso porque, apesar de toda a turbulência política que o cineasta não tenta esconder e até se torna tema central do longa, o filme parece sempre mais interessado em nos levar para o coração daqueles personagens e como foi crescer nos Estados Unidos daquela época. Sépia deixa de ser só memórias, vira aconchego.

É justamente aí que Gray mais se arrisca. Ao assumir a posição da criança que vê todo aquele mundo se desenhar a sua frente e começando a entendê-lo, o diretor poderia muito bem cair para facilidade da criança fofa protagonista que serve como muleta (o que “Belfast” fez recentemente) ou para uma simples visão do homem branco salvador ou consciente de seus erros (de filmes como “A Lista de Schindler” e o desastroso “Green Book”).

Entretanto, Gray não julga o seu protagonista, mas em nenhum momento romantiza sua relação para com seus privilégios. Paul pode ser inocente e até descobrir aos poucos como sempre é beneficiado, enquanto seu melhor amigo se prejudica. Pode até desejar usar seu dinheiro para ajudar Johnny, em um Estados Unidos de cortes de verba pública para programas sociais que rompe com os avanços progressistas conseguidos na década anterior. Mas, no final, mesmo que relutante, Paul se acovarda, assim como seu pai. Salvam a própria pele enquanto deixam o garoto negro ser violentado pela polícia e ter seu nome apagado, assim como o filme vai desaparecendo com ele aos poucos. 

Então, Gray nos leva para perto, nos emociona e nos faz sentir culpados junto com os personagens. Mas nunca resume sua culpa branca a assumir um errinho e deixar tudo bem depois. Pelo contrário, ele finaliza o longa com o pessimismo da covardia que destrói vidas para manter a sua como se nada tivesse acontecido. É quase como se o cineasta só reconhecesse hoje que pode ter chegado onde chegou à custa de um ato que resume os Estados Unidos da época, de hoje e de 300 anos atrás. Nada muda, o branco conta a história, vive sua vida, o negro é jogando sobre as barras e os porretes, e ninguém fala nada. Mas, mesmo que o reconhecimento viesse hoje em forma de filme, ao se colocar na pele da criança, Gray mostra que, no fundo, já sabia da sua covardia desde a década de 1980.

Compartilhe este conteúdo: