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|Crítica| 'Aqui' (2025) - Dir. Robert Zemeckis

|Crítica| 'Aqui' (2025) - Dir. Robert Zemeckis

Crítica por Victor Russo.

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'Aqui' / Imagem Filmes

 

Título Original: Here (EUA)
Ano: 2025
Diretor: Robert Zemeckis
Elenco: Tom Hanks, Robin Wright, Paul Bettany, Kelly Reilly e Tony Way.
Duração:105 min.
Nota: 3,0/5,0

 

Robert Zemeckis olha para a transformação da sociedade americana a partir de um melodrama típico que exibe o seu artifício contemporâneo

Baseado na história em quadrinhos de Richard Maguire e que já rendeu o ótimo curta brasileiro, também de 2024, Quando Aqui, dirigido por André Novaes, Aqui marca mais um ponto na parceria entre o diretor Robert Zemeckis e o ator Tom Hanks (além da atriz Robin Wright, que trabalha pela terceira vez com o diretor), a fim de apagar o amargo gosto do reencontro entre eles em Pinóquio, de 2022. O diretor, muitas vezes lembrado como um continuador de Steven Spielberg ou por suas obras mais populares nas décadas de 1980 e 1990, poucas vezes recebe o devido reconhecimento enquanto autor que pensa nos artifícios e técnicas do cinema de cada tempo. Aqui vem para unir o melodrama típico desse cineasta romântico a recursos puramente atuais, como a computação gráfica e os complementos em inteligência artificial.

Assim, seguindo a base da HQ, o longa se passa todo no mesmo espaço, mas transcorrerá eras de história, dos dinossauros até a atualidade, com foco em uma família que por muito tempo ali habitou durante muitas décadas do século XX e XXI, escolha essa que se diferencia um pouco da obra adaptada, que pouco se focava em personagens frente a essa relação tempo-espacial. Zemeckis compreende a necessidade do melodrama como forma de conexão com o público, rejeitando uma fragmentação maior da narrativa e, a partir de certo ponto, correndo essas décadas com certa linearidade, marcando eventos-chave para a compreensão da constante mudança da dinâmica familiar, das vontades e imposições. Com uma câmera que nunca se move, com exceção dos segundo finais, e usando uma grande-angular para captar uma dimensão maior daquela casa, o cineasta transcorre e comenta sobre a formação da sociedade americana e sua decadência moral, implícita ou explícita, até finalmente adentrar com menos interesse as mudanças da contemporaneidade enquanto sociedade.

Apesar do melodrama ser a base para a conexão emocional para com o público, às vezes um tanto dificultada justamente pela necessidade das constantes elipses, o interesse real do diretor está no artifício, no conceber cinema, pensar imagem, entender a vastidão de um mundo cinematográfico para além do que a câmera é capaz de captar e experimentar com novas técnicas que se transformam quase na obra em si. Os questionamentos éticos a respeito da inteligência artificial aqui se perdem um pouco a partir do momento que tantos artistas foram envolvidos, enquanto essa se transforma em um recurso assumido por toda a estética do longa, dos espaços artificiais às maquiagens digitais de rejuvenescimento e envelhecimento dos personagens. Mais do que um complemento para o artista, Zemeckis faz questão de expor a técnica, criar uma “falsidade” perceptível que em muito se comunica com a formação daquela sociedade e de muitas relações ali apresentadas.

Ao mesmo tempo, o que pode soar simples por se tratar simplesmente de uma câmera estática, ganha uma complexidade grande a partir da construção, destruição e reconstrução daquele espaço, não apenas transicionando entre eras, mas compondo em uma mesma imagem esses fragmentos de tempos diferentes visíveis juntos. É como se, mesmo separados por muitos anos, o tempo fosse além do linear, e aquele espaço de representação maior e significativa, ainda que um tanto banal e revelador dos Estados Unidos, habitassem uma mesma história sem rupturas. É essa dinâmica que o aproxima mais não apenas da HQ que o inspirou, mas da linguagem dos gibis como um todo, com sobreposições de quadros que permitem ao leitor essa percepção fragmentada e conjunta ao mesmo tempo, enquanto, ao se voltar por mais tempo para aquela família, o longa quase se joga em uma espaço cênico semelhante ao palco teatral, ainda que apenas como uma forma de nos lembrar que o mundo do filme é muito mais amplo do que a câmera é capaz de captar, e estamos sempre vendo apenas um recorte visual do todo, assim como aquela casa é de toda aquela sociedade. Resta a nós imaginar apenas durante quase todo o longa a completude, o que daquele lar é deixado fora de campo, e mesmo o que vai além das paredes que podemos perceber apenas espiando pela janela.

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