|Crítica| 'Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore' (2022) - Dir. David Yates
Crítica por Victor Russo.
'Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore' / Warner Bros. Pictures |
Na ânsia de continuar lucrando com a franquia, “Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore” amplia ainda mais o número de núcleos e personagens, mas não consegue desenvolver ou resolver boa parte deles, começando por Newt Scamander. Pelo menos o dilema entre Dumbledore e Grindelwald se torna o foco da obra.
Depois de quatro filmes dirigidos por três diretores diferentes e com estilos complementares, mas distintos, a franquia “Harry Potter” finalmente decidiu unificar a sua visão criativa nas mãos de David Yates, responsável pelas últimas sete obras do universo. Afastando-se do tom mais juvenil de Chris Columbus ou das relações dramáticas bem desenvolvidas e o belo visual de Alfonso Cuarón, Yates fez a franquia se levar mais a sério, enquanto o conflito foi se escalando para os núcleos mais poderosos do universo. A magia seguiu existindo, mas sem a mesma aura fantástica, tudo foi se tornando mais sombrio.
É sob essa lógica que chega “Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore”. Com fotografia escura e um foco mais voltado para os personagens, o longa mostra que o universo de magia e diversão despretensiosa parece algo do passado. Infelizmente, pois é justamente essa pretensão pela profundidade e o sombrio que faz de “Animais Fantásticos” uma prequela deslocada, sem vida e que se dá importância demais para um resultado muito mais comercial do que artístico.
Mesmo sem ser a completa enrolação que foi o segundo filme, o terceiro ainda mantém uma sensação meio de “Trilogia Hobbit versão 2.0”. Claramente não há material aqui para cinco filmes, mas isso pouco importa, basta os cinco fazerem dinheiro. E se em “O Hobbit”, o comercial pesou e estendeu um livro que deveria render apenas um (excelente) filme, no caso de “Animais Fantásticos” a obra de origem se amplia visando lucro. Isso porque J. K. Rowling escreveu as sequências (o primeiro livro é de 2001) a partir do sucesso da franquia Harry Potter, justamente já sabendo que as levaria para o cinema, com os direitos e forte controle criativo (é roteirista desses longas). Talvez isso explique a falta de um norte a ser seguido no segundo e terceiro filme.
Então, o que vemos é um aumento ainda maior de núcleos, personagens, ambientes dramáticos, conceitos e conflitos. Tudo visando mais abrir pontas soltas para uma continuação e atrair fãs do que necessariamente desenvolver o universo organicamente. Isso fica claro, por exemplo, quando o longa se vende como “o Harry Potter no Brasil”, mas o máximo que é capaz de criar em cima disso é utilizar Maria Fernanda Cândido para ter uma fala e ficar parada de fundo como uma personagem teoricamente importante, mas que o filme nunca se interessa.
Com um pouco mais de desenvolvimento, mas também a fim de atrair um novo público acima de tudo, está Oliver Masuci, ator bastante popular na Alemanha e que ficou conhecido pelos brasileiros por conta de “Dark”. É justamente por meio dele e da cidade de Berlim que o filme começa a traçar uma relação entre o mundo bruxo e a ascensão de líderes populistas e fascistas, ora mirando em Hitler, ora nos direcionando para os dias atuais (Bolsonaro, Trump, Orban etc).
E se o subtexto sem nenhuma sutileza até funciona, ele volta a reforçar uma certa auto importância na obra de Yates, que, no fim do dia, mais atrapalha do que ajuda. Isso porque, o cineasta ainda tenta manter em momentos isolados o brilho inocente da franquia, seja em discursos motivacionais cheios de frases de efeito de Dumbledore ou mesmo nas figuras de Newt e Jacob, que são os personagens de coração puro e que muitas vezes servem de alívio cômico. Entretanto, cenas como a de Newt e Theseus imitando os animais a fim de se proteger soam extremamente deslocadas, por contarem com um tom até meio ridículo que o restante do longa não acompanha.
Mais grave do que isso, Newt parece cada vez mais deslocado em sua própria franquia. Se o personagem funcionava bem em “Animais Fantásticos e Onde Habitam”, por ser o foco da narrativa e ajudar a resgatar um pouco da inocência perdida há muito em Harry Potter, ele chega no terceiro filme apenas como uma peça menos importante, assim como a maioria dos personagens.
Isso porque o foco cada vez mais se volta para o que parece realmente importar, a relação entre Dumbledore e Grindelwald, o que funciona bem aqui. Grande parte disso está na mudança do ator que interpreta o vilão. Por mais que eu não desgoste de Johnny Depp no papel, Mads Mikkelsen traz um charme sombrio ao personagem que o aproxima do Dumbledore de Jude Law, tornando mais possível essa relação amorosa e forte ligação entre os dois.
E é justamente por focar nesse trauma romântico que o longa acerta bastante ao ser um dos mais cadenciados da franquia, o que perde em magia e diversão, mas que dá um pouco mais de peso para essas duas personalidades. O problema é justamente que para resolver essa questão central, o longa se utiliza de muitos outros núcleos e apresenta muitos personagens novos, boa parte deles que não funcionam como eu disse anteriormente. Talvez a exceção aqui seja Jessica Williams, como Eulalie Hicks, que mesmo com pouco desenvolvimento, é bem resolvida pela presença da atriz e facilidade de se mostrar poderosa em poucos minutos.
Assim, o terceiro filme da franquia “Animais Fantásticos” se mostra muito mais decidido do que o seu predecessor, mas ainda é vítima de uma mudança de curso que tira a relevância de seu próprio protagonista.
E, antes de terminar, é importante frisar mais uma questão. Se J. K. Rowling tenta se redimir de alguma forma (até meio forçada) ao finalmente revelar a sexualidade de Dumbledore (o que todo mundo já sabia), ela joga tudo por água abaixo ao tirar completamente a relevância de Tina, só porque a atriz Katherine Waterston criticou publicamente as falas transfóbicas da escritora. Com isso, até o seu par romântico Newt tem tirado de si. Talvez tenha chegado a hora de mudar o título “Animais Fantásticos” por “Dumbledore”, e seguir a franquia sem Eddie Redmayne.