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|Crítica| 'Além do Tempo' (2023) - Dir. Theu Boermans

|Crítica| 'Além do Tempo' (2023) - Dir. Theu Boermans

Crítica por Raissa Ferreira.

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'Além do Tempo' / A2 Filmes

 

Título Original: Zee van Tija (Holanda)
Ano: 2023
Diretor: Theu Boermans
Elenco : Sallie Harmsen, Elsie de Brauw, Gijs Scholten van Aschat, Reinoult van Scholten e River Oosterink.
Duração: 116 min.
Nota: 2,0/5,0

 

Drama holandês de Theu Boermans constrói bem o desespero em alto-mar, mas naufraga com sentimentalismos rasos que não conseguem criar conexão apesar das fortes apelações

As imagens de uma família feliz, sempre banhadas pela luz amarelada do sol, constroem o clima de um tempo passado que contrasta fortemente com o futuro cinza, nublado e sóbrio em que o casal se reencontra. Ainda que o filme transite entre esses dois tempos, é no passado - por volta dos anos 80 - que a narrativa se desenvolve melhor, focando em tudo que ocorreu antes, durante e depois de uma tragédia que separou dois jovens tão apaixonados. Ao reconstruir os momentos do desaparecimento de Kai, filho de 5 anos do casal, é que o filme tem seu maior potencial e consegue manipular muito bem as nossas emoções, acompanhando a dimensão dessa perda e a relacionando diretamente com a imensidão do mar. Porém, ao seguir para os desdobramentos dessa morte, e trabalhar um luto de mais de trinta anos, Theu Boermans perde a mão cada vez mais, desconectando as emoções e tornando tudo extremamente apelativo e forçado. Enquanto ainda foca no casal jovem, e na depressão de Johanna (Sallie Harmsen), existem momentos até mais interessantes na dinâmica entre o casal e essa negação da mulher em aceitar sua realidade, mas que logo se perdem. Infelizmente, a dupla mais velha não consegue trazer a mesma ligação com o filho, e entre eles, e tudo soa extremamente artificial, apelando para imagens antigas e caseiras do pequeno Kai como forma de tentar trazer alguma emoção, mas a morte de uma criança nem sempre é suficiente para criar alguma empatia, e o longa não é capaz de provocar esses sentimentos. 

É notável, ainda assim, o trabalho de direção nas cenas que retratam os momentos em que a criança parece desaparecer e seguem uma busca desesperadora dos pais. O último plano em que Kai aparece para o espectador, é também o último momento em que ele é visto por seus pais, dessa forma, sabemos tão pouco quanto eles o que pode ter ocorrido com a criança, reforçando um vazio transtornador de não compreender essa perda. Quando finalmente entendem que o filho não poderia estar mais dentro do barco, a grandiosidade do Atlântico começa a engolir as cenas, principalmente nos planos aéreos que marcam um rastro da pequena embarcação navegando em círculos no mesmo pedaço de água, tentando a todo custo encontrar algum sinal do menino. Essa relação entre o mar, a perda, e os sentimentos dos pais - mas principalmente de Johanna - é bem estabelecida no longa e eficaz ao evocar emoções fortes em quem assiste. É como se ficasse um vazio quase palpável da ausência de Kai e, como acompanhamos o ponto de vista dos pais sem saber nada além, é fácil engajar com aquela busca e com a dificuldade de aceitar e finalmente partir com o barco. Faz todo sentido que o filme foque tanto nesses momentos e se dedique a criar neles uma experiência dramática bastante efetiva, que consiga construir empatia, afinal, esse acontecimento é o grande motivador da narrativa, mas seria impossível o longa se sustentar no restante da duração apenas por essas cenas.

Enquanto passa pela depressão de Johanna e a dificuldade de Lucas (Reinout Scholten van Aschat) em lidar com a esposa nessa situação, cresce uma dificuldade do diretor em retratar esses sentimentos de forma mais legítima e, aos poucos, parece que ele já não sabe mais como fazer o espectador sentir algo por tudo aquilo e começam as apelações baratas. Se antes a mãe conseguia transbordar seu desespero de forma honesta, um ciclo de repetições se segue em que cada pequena lembrança do menino parece implorar por alguma emoção, num ciclo sem fim de mesmices que fica apenas na superfície. Daí se desenrolam acontecimentos novelescos que vão perdendo cada vez mais a conexão do filme com o espectador. A relação entre o casal já mais velho, depois de tantos anos, não é nada fácil de comprar, bem como fica dificílimo aceitar que uma revelação de um segredo tão grande seria facilmente recebida, como é no filme, depois de todo esforço que a obra tem em construir uma relação conturbada entre os dois, de falta de compreensão, dificuldade em perdoar e afins. A trama do teatro, que poderia gerar alguma discussão sobre explorar dores pessoais por meio da arte, só serve também como mais um recurso apelativo, e mais uma tentativa de provocar sentimentos apenas usando a figura de uma criança, evocando sua morte de forma rasa.

No fim, as imagens de Kai que tentam a todo custo emocionar vão se tornando mais e mais esvaziadas de sentido. Ainda que exista alguma coisa interessante nessa desconstrução da família perfeita que vai das cores e da felicidade para uma mise-en-scène acinzentada e deprimente (a jovem Johanna parece até mudar completamente de rosto nesse processo), o drama não sabe como se aprofundar nesse luto e acaba se tornando, além de raso, simplista demais, girando como o barco ao redor das mesmas coisas, sem nunca mergulhar. É engraçado como o diretor consegue construir tão bem os sentimentos e engajar uma tensão só pela ausência de Kai, para depois forçar tanto sua presença esperando o mesmo resultado. O sentimentalismo aqui, morre na praia. 


 

 

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